A
BÍBLIA
Três
mil anos de história não compromete a atualização
do maior de todos os livros
Texto e pesquisa
Carlos Andrade
Publicado
na edição especial de Natal do Jornal da Soamar,
novembro de 2001
"Aqui está a
Verdade da Palavra de Deus", segundo a interpretação
dos Palestinos.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
a interpretação dos Gregos.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
a interpretação dos católicos.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
a interpretação dos evangélicos.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
a interpretação de Maomé.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
a interpretação dos babalaorixás.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
a interpretação dos Mórmons.
"Aqui está a Verdade da Palavra de Deus", segundo
aqueles que não acreditam Nele.
É isso mesmo. A verdade
da palavra de Deus e até mesmo o próprio depende
de uma interpretação, de um ponto de vista, ou
de uma crença. Se assim não fosse, não
haveria tantas Religiões no mundo. São mais de
dois mil anos de história, três mil traduções,
milhares de rolos, papiros, cordex, narrativas, cartas, epístolas,
evangelhos e uma série de outras vias de perpetuação
de um conjunto de mensagens supostamente divinas onde, provar
que não são, tem se mostrado um desafio tão
difícil como provar as suas veracidades. Nesse trabalho
de pesquisa puramente jornalístico, a fé foi o
que menos importou.
A exemplo do que já fizemos antes com Papai Noel, este
ano, por causa do Natal e sua inevitável associação
com Deus, voltamos a brindar os leitores do Jornal da Soamar
com uma entrevista onde só o entrevistado no caso, A
BÍBLIA, é fictício. Suas respostas não.
Elas estão revestidas da verdade mais possível
sustentadas por pesquisas, estudos, relatos, escritos antigos,
enciclopédias, dados obtidos através da rede mundial
de computadores, e uma dezena de outras fontes colhidas ao longo
do ano com esse propósito.
O objetivo aqui não
é negar a existência de Deus, questionar sua divindade
e muito menos se a Igreja Católica - ou qualquer outra
- tem ou não autoridade para falar em nome Dele. Nessa
entrevista, a questão da fé conta pouco. O importante,
a partir de uma fórmula eficiente de perguntas e respostas,
é saber quem é e quantas são as Bíblias.
A seguir o leitor vai saber quem a escreveu, como escreveu,
e como os sábios dos primeiros tempos determinaram os
critérios para se garantir a inspiração
Divina de um texto. A Bíblia é, portanto, uma
reunião de livros onde até mesmo o número
deles é questionável. Para os católicos
são 46. Para os Evangélicos ou Protestantes, se
resumem a 37. Uma coisa é certa. De Moisés, o
maior dos seus profetas, até são João,
o mais apocalíptico, foram necessários 1.300 anos
para que a mesma fosse escrita completamente. Muitos anos e
muitas línguas. É o único livro do mundo
que precisou de três idiomas para ver traduzidos em textos
suas verdades: começou com o aramaico, continuou com
o hebraico e fora finalmente concluído em grego.
JS
- Qual seria a sua primeira definição?
BíBLIA - De forma simplificada, sou o conjunto de textos
sagrado do judaísmo e do cristianismo. Há mais
de cinco séculos ocupo o primeiro lugar na lista dos
livros mais impressos, traduzidos, vendidos, lidos e comentados
em todo o mundo. Uma das minhas versões mais antigas
é a dos Setenta (LXX), versão grega traduzida
do original hebraico por iniciativa de Ptolomeu Filadelfo. Meu
nome vem do grego Biblos, que significa o conjunto de livros
pequenos ou papiros. No entanto, eu prefiro ser chamada de "Sagradas
Escrituras", ou simplesmente "Escrituras". Ao
longo dos séculos fui sendo organizada de forma isolada
até chegar aos tempos de Orígenes, que me dividiu
em dois Testamentos. O Velho, ou Antigo, com 39 livros segundo
o cânon hebraico, ou 45, de acordo com o Cânon Alexandrino,
conhecido como Septuaginta ou versão dos setenta, aceita
pela Igreja de Roma. A outra parte é chamada de Novo
Testamento e foi totalmente escrito após a morte de Jesus
Cristo, com 27 livros.
JS
- Afinal, são 66 ou 72 livros?
BíBLIA - As duas coisas. Depende do critério adotado
para a minha versão completa. Tudo porque a Igreja Romana,
nos sínodos de Hipona e Cartago, realizados no fim do
século IV e início do século V, decidiu
utilizar o cânon dito dos judeus de Alexandria, com 45
livros, ao contrário do conjunto da Septuaginta.
JS
- Mas existem divergências?
BIBLIA - A rigor, o cânon egípcio primitivo, chamado
dos LXX, se compunha tão somente dos cinco livros da
lei, atribuídos a Moisés, também chamados
de Pentateuco. Só depois de muitos anos, não apenas
os canônicos dos judeus, mas também alguns outros
considerados por esses de interesses históricos e de
edificação, embora não canônicos,
foram adicionados ao conjunto, resultando numa coleção
Alexandrina maior que a Palestina.
JS
- A questão remota então anterior à escrita?
BíBLIA - Como sagrado a minha história remota
ao tempo das narrativas. Ao inventar a tipografia - ou tipos
móveis - em 1450, Gutenberg criou apenas uma referência
histórica concreta da minha existência. Desde então,
já com o nome de textos ou escritos, já fora impressa
em mais de 300 idiomas e suscitou a publicação
de milhares de obras de divulgação, interpretação
ou comentário. A primeira Bíblia impressa pela
invenção de Johannes Gutenberg, aconteceu no ano
de 1455. Era uma versão impressa em latim e tinha 1.282
páginas.
JS
- Vamos explicar então, didaticamente, a sua composição?
BIBLlA - Desde o princípio represento uma coleção
de textos, divididos em duas partes: O Antigo ou Velho Testamento,
reunido por etapas nos dez séculos anteriores ao nascimento
de Jesus Cristo; e o Novo Testamento, escrito durante o século
posterior a sua morte. A palavra "testamento" (testamentum
na tradução latina da Vulgata) traduz o grego
diatheke, que por sua vez é tradução do
termo hebraico berith, "aliança". O uso do
termo diatheke - testamentum nos Evangelhos e nas Epístolas
estabelece uma unidade espiritual entre os escritos cristãos
e a coleção judaica. As origens mais remotas do
Novo Testamento estão nas necessidades impostas pela
catequese na igreja nascente. Segundo a tradição
judaica, ocorreu que na primeira festa de Pentecostes que se
seguiu à morte e ressurreição de Jesus
Cristo, o Espírito Santo desceu sobre a comunidade cristã
de Jerusalém, em forma de línguas de fogo. Os
discípulos, cujo idioma materno era o aramaico, passaram
momentaneamente a falar em línguas estrangeiras, e assim
puderam ser entendidos pelos judeus da diáspora, presentes
ao encontro. Para os Cristãos, o milagre de Pentecostes
é entendido assim como um sinal para a divulgação
do Evangelho, ou boa nova a todos os povos do mundo.
JS
- Como esses temas se mantiveram vivos antes da escrita?
BíBLIA - Os apóstolos e os primeiros discípulos,
que continuavam a participar do culto judaico, conservavam e
transmitiam oralmente as lembranças e palavras de Cristo.
Mas, à medida que iam se distanciando no tempo, da morte
de Jesus e de Jerusalém, impôs-se à necessidade
de registros escritos, como auxílio mnemônico.
No caso do Antigo Testamento a preservação foi
mais difícil ainda. Foram utilizados relatos, símbolos
em papiros, rolos, pergaminhos, sinais cuneiformes e outras
formas primitivas de se perpetuar às coisas. Já
o Novo Testamento contempla comunidades lingüísticas
e culturais bem diversas, que comreendem, num primeiro período,
desde os judeus da Palestina até os gentios do Egito,
Pérsia, Roma e mar Negro. Em 1947.
JS
- Qual a participação da arqueologia em suas diversas
versões?
BIBLlA - Até o século XIX, os estudos sobre a
minha história sofreram limitações decorrentes
da quase total ausência de informações históricas
não incluídas e por conseqüência não
narrados. Com as descobertas arqueológicas, foi possível
compor um quadro geral mais nítido de todo o mundo antigo
e contemporâneo da história de Israel e do cristianismo
primitivo. Ou seja, desde a civilização sumeriana,
da qual saiu o patriarca Abraão, até à
época do helenismo, chegando ao Império Romano,
período de grande expansão do Evangelho. A maior
descoberta foi os manuscritos do Mar Morto, quando uma cópia
completa de Isaías, fragmentos de Gênesis, Levítico,
Deuteronômio e Juízes foram encontrados. Estes
manuscritos datam do século I ou II no máximo.
Temos evidência indireta que vem da versão grega
do Velho Testamento, a Septuaginta, século III antes
de Cristo, e o Pentateuco Samaritano, do IV século, possivelmente.
Há diferenças entre este texto e o texto hebraico,
mas, são de pouca importância. Foi encontrada também
uma versão chamada a Hexapla de Origines que consistia
de seis colunas paralelas, das quais a primeira escrita em hebraico
e a segunda a sua transliteração para caracteres
gregos. Outra raridade é a versão siríaca,
usada pela Igreja na Síria, e desde o século nono
de nossa era vem sendo conhecida como Pesita (em siríaco,
pshittâ) ou tradução "simples".
JS
- É possível exemplificar uma dessas confirmações?
BíBLIA - Umas não, Várias. A mais importante
aconteceu durante as escavações realizadas em
Ur, cidade natal de Abraão, que permitiram a descoberta
de textos alusivos a uma grande enchente, que se pode correlacionar
ao dilúvio; e a localização de restos de
uma construção que pode ser ligada à descrição
da torre de BabeI. Em Nuzi, encontraram-se referências
ao sacrifício de crianças - que Abraão
substituiu pelo de animais - e ao roubo de ídolos, como
afirmo no capítulo 31 do livro de Gênesis. No Egito,
levantaram-se relatos sobre a invasão dos hicsos, ao
tempo de José. Em Susa, na Babilônia, restaurou-se
o código de Hamurabi, contemporâneo de Abraão.
Numa Estela construída por volta do ano 1200 ante de
Cristo há citações sobre Israel e Palestina.
JS
- Mas isso não é apenas uma questão de
interpretação. Ou seja, o pesquisador olha o que
quer ver?
BíBLIA - Existe uma hermenêutica, uma doutrina
e um método de interpretação dos meus textos.
A ciência que estuda essas posturas de como interpretar
se chama Exegese. É ela quem define a aplicação
prática dessas regras, e para. isso criou algumas etapas.
Vejamos algumas: Primeiro estabelece como texto original, os
manuscritos, traduções antigas, documentos etc;
dando-Ihes configuração do sentido contextual,
para resgatar os significados que as palavras e expressões
possuíam na época e no meio em que foram formuladas.
Além do sentido literal, os pesquisadores buscam sentidos
adicionais, baseados em outros princípios de hermenêuticas.
O principal, e o único legítimo é o tipológico,
que interpreta os fatos, personagens e instituições
do Antigo Testamento como "tipos" ou prefigurações
da realidade daquilo que relato no livro de Números,
e que chamo de a Nova Aliança.
JS
- Qual a visão de fé do povo judaico?
BíBLIA - Na liturgia do judaísmo os ritos datam
do tempo da sinagoga. Começou no exílio da Babilônia,
no século VI, antes mesmo do nascimento de Jesus Cristo.
Esses ritos foram aos poucos substituindo o culto do templo.
Como a sinagoga estava separada do templo de Jerusalém,
cada instituição adotava sua própria liturgia.
A congregação dos rabinos prestava culto à
parte, em certos dias festivos prescritos por mim mesma. O povo
prescindia de sacerdote, mas mantinha um estreito sentido de
comunidade, que agia segundo a palavra de Deus, expressa em
minhas escrituras. Eles obedeciam aos dias, semanas, meses e
anos prescritos, numa certa ordem de vida comunitária.
A leitura dos textos sagrados nas sinagogas era o ponto alto
do culto, e muito concorreu para que esses escritos se tornassem
familiar aos judeus.
JS
- E quanto à fé protestantes? Os chamados Pentecostais?
BíBLIA - Estes estão divididos em um grande número
de grupos culturais e religiosos, com perspectivas teológicas
tão diversas, que não há como generalizar
sobre as relações entre o culto e o que está
dito em mim. Para os anglicanos, como também para a maioria
dos luteranos do século XX, prevalecem as mesmas orientações
vigentes para os católicos, com a composição
de orações, hinos e cânticos. No entanto,
certas correntes protestantes de orientação fundamentalista,
ainda mantêm uma interpretação mais radicalmente
literal. Para esses, nada que não esteja em mim deve
servir como texto de culto. A liturgia protestante das demais
confissões situa-se entre esses dois extremos.
JS
- Do ponto de vista histórico, qual seria a sua versão
mais antiga?
BIBLlA - Considerando o Velho Testamento é a Septuaginta,
ou Versão dos Setenta (LXX). O nome tem origem na lenda
segundo a qual 72 judeus, seis de cada tribo de Israel, teriam
feito essa tradução para o grego em 72 dias. A
façanha aconteceu na cidade de Alexandria, 300 anos antes
do nascimento de Cristo. A LXX destinava-se aos judeus da diáspora
- os que, voluntária ou coercitivamente - se encontravam
fora de Israel. Do Egito, essa versão primitiva se espalhou
por outras regiões, até tornar-se o livro oficial
do judaísmo helenista. As traduções seguintes
já compreendem a minha versão inteira, e foram
feitas pelos iniciadores do cristianismo nas regiões
orientais de Roma.
JS
- O que vem a ser Diatessarom?
BIBLlA - O temo significa uma obra escrita por Taciano, discípulo
de São Justino. Ele escreveu por volta dos anos 170 uma
compilação dos quatro Evangelhos em um único
livro, também chamado de Harmonia Evangélica.
O Diatessarom foi escrito em grego, sendo mais tarde traduzido
para o siríaco pelo próprio Taciano. Esse texto
serviu como uma espécie de Evangelho padrão para
os sírios até perto do ano 400, quando foi substituído
pelos quatro Evangelhos separados. Hoje esses textos - tanto
o grego como o siríaco - já não existem
mais.
JS
- A sua versão chamada de Targum também era judaica?
BíBLIA - Com o fim do cativeiro do Egito imposto pelos
romanos aos judeus, o povo de Judá já não
entendia mais o hebraico. Por isso foi preparada uma tradução
oral da Bíblia em aramaico. Essa versão ganhou
o nome de Targum, sendo escrita nesse idioma e guardada para
servir de referência as gerações seguintes.
A cópia hoje conhecida data de época muito posterior
da original, mas grandes trechos remontam ao período
pré-cristão.
JS
- Qual a importância do teólogo grego Origines
na elaboração dos seus livros?
BíBLIA - Ele viveu por volta do ano 245, e rapidamente
se tornou o mais influente teólogo e especialista em
meus textos, sobretudo aqueles mais antigos, da nascente igreja
grega, Ele elaborou em Cesárea, na Palestina, uma versão
do Antigo Testamento, denominada Hexapla, que em grego significa
livro sextuplicado. A Hexapla reunia as versões grega
e hebraica em seis colunas paralelas, na seguinte ordem: texto
hebraico em caracteres hebraicos; texto hebraico em caracteres
gregos; texto grego de Áquila (autor de uma tradução
literal do Antigo Testamento); texto grego do sábio judeu
Símaco; texto da Septuaginta; e texto grego do helenista
judeu Teodócio. O trabalho consumiu vinte anos e totalizou
cerca de sete mil páginas. Talvez devido a essa extensão,
jamais foi copiado integralmente, e dele restam apenas fragmentos.
JS
- O que vem ser a Vulgata?
BIBLlA - No século VIII a versão definitiva de
São Jerônimo acabou por suplantar as demais traduções
latinas, mas foi somente por volta do século XVI que
passou a ser chamada de Vulgata. Vulgata significa alguma coisa
de larga divulgação. O termo já fora usado
antes ao se referir à versão dos Setenta ou a
Utala. Quatro séculos depois, ao encerrar-se o Concílio
Vaticano li, o papa Paulo VI designou uma comissão de
peritos com a incumbência de realizar uma revisão
da Vulgata - já se referindo a compilação
de são Jerônimo - a fim de incorporar os resultados
dos trabalhos exegéticos que se haviam acumulado nos
últimos séculos e assim obter uma versão
latina atualizada em relação à ciência
religiosa do ponto de vista da atualidade.
JS
- Foi são Jerônimo que dividiu seus livros em capítulos
e versículos?
BíBLIA - Não. Essa novidade demorou mais de mil
anos para ser introduzida. Até então, nenhum livro
meu possuía essa característica. A idéia
partiu do Arcebispo de Cantuária e professor da Universidade
de Paris Estevan Bangton, em 1241 depois de Cristo. 300 anos
depois, um outro editor parisiense, de nome Robert Etiene, fez
o mesmo com o Novo Testamento em grego. No ano de 1565, Teodoro
de Beza, me dividiu completamente em versículo.
JS
- Quando seus textos passaram a ser escritos em português?
BIBLlA - Das traduções para o português,
a mais antiga foi feita, no século XVII, por João
Ferreira de Almeida, missionário católico na Índia,
posteriormente convertido ao protestantismo. Baseado no texto
grego, e por ser protestante, quase sempre discordou da Vulgata.
De excelente qualidade também é a segunda tradução
para o português do Antigo e do Novo Testamento, realizada
no século XVI, por Antônio Pereira de Figueiredo.
Esta, por ser baseada na Vulgata de São Jerônimo
- que preferiu deixar de fora os livros apócrifos - teve
maior acolhida dos protestantes que dos católicos.
JS
- As versões se multiplicaram uma após outra?
BIBLlA - Em 1981 fui publicada como sendo de Jerusalém,
traduzida dos originais, com introduções e notas
traduzidas de La Sainte Bible, publicada em 1973 sob a direção
da École Biblique de Jerusalém. Outras boas versões
são a da Editora Ave Maria, traduzida dos originais hebraico,
aramaico e grego, mediante a versão francesa dos monges
de Maredsou. A Belga, pelo Centro Bíblico de São
Paulo; e a do Pão, da Editora Vozes, diretamente dos
textos originais, com introduções e notas explicativas
e remissivas.
JS
- É verdade que a sua versão em al emão
foi escrita por Martinho Lutero, o protestante?
BIBLlA - É verdade sim, por volta de 1522, mas se resumia
ao Novo testamento. Somente alguns anos depois, em 1530, o alemão
Zwingli mandou acrescentar-lhe uma tradução do
Antigo Testamento feita por seus companheiros Pellican, Bibliander
e outros, quando passei a ser chamada de Bíblia de Zurique.
Quatro anos depois, Martinho Lutero não se conformou
e traduziu também o antigo Testamento, suplantando em
conteúdo a tradução de Zurique. A versão
Luterana completa Logo se tornou de uso comum por todos os protestantes
de língua alemã. É o primeiro e talvez
o maior documento da literatura alemã moderna, cuja língua
foi determinada por essa obra. JS - Qual a verdadeira composição
dos seus livros?
JS
- Qual a verdadeira composição dos seus livros?
BIBLlA - Minha edição canônica completa,
tem ao todo 73 livros, sendo 46 no Antigo Testamento e 27 no
Novo Testamento. Esses dois grandes conjuntos estão segmentados
em grupos, segundo sua natureza, autoria, sentido etc. Na versão
cristã, a titulação dos livros leva em
conta a natureza de seu conteúdo. Na hebraica, toma-se
a primeira palavra do texto como título. A abordagem
desses livros, quando examinados por grupos, proporciona uma
visão mais completa do conjunto e ao mesmo tempo facilita
a compreensão das linhas principais de pensamento que
orientaram a minha composição dos dois Testamentos.
JS
- Explique então os livros do Velho Testamento?
BÍBLlA - Para os judeus, representa a coleção
dos livros bíblicos escritos antes do nascimento de Jesus
Cristo. Os cristãos denominam essa coleção
de Antigo ou Velho Testamento, porque entendem que eles testemunham
os acontecimentos do passado, que preparam a vinda do Cristo
e a prenunciam na palavra dos profetas. Cristo, como vocês
sabem, é a tradução grega dada a palavra
de origem hebraica "mashiah", que significa também
messias, "ungido", o que vem para salvar a humanidade.
JS
- Pentateuco é Antigo ou Novo Testamento?
BIBLlA - É o conjunto formado pelos meus cinco primeiros
livros - Gênesis, Exôdo, Levítico, Números
e Deuteronômio. A palavra Pentateuco é grega e
significa livro em cinco volumes. Os judeus o chamam de Torá,
palavra hebraica que significa lei, diretiva, instrução.
Ou seja, o conjunto das instruções, ou leis de
Deus, transmitidas ao povo israelita através de Moisés,
o grande fundador de Israe1, como povo e como religião.
Todos esses livros são de autoria do profeta Moisés
ou, em muitos casos, inspirados por ele.
JS
- Como Moisés pode ser autor de Deuteronômio se
o livro narra a sua própria morte, ou subida aos céus?
BIBLlA - A tradição costuma atribuir a Moisés
a autoria dos livros que compõem o Pentateuco. Mas isso
é evidentemente impossível quanto a Deuteronômio
que fala justamente da sua morte. A questão é
discutível. Enquanto para os cristãos Moisés
é o autor da maioria dos livros do Pentateuco, alguns
hIstoriadores e críticos sequer admitem a origem mosaica
dos quatro primeiros. Nesses livros, Deus é chamado alternadamente
de Javé ou Jeovah, ou ainda de Heloin, o que demonstra
influencia javista ou heloísta e até mesmo uma
terceira linha de autores, representada pelos sacerdotes de
Jerusalém.
JS
- Moisés entrou ou não entrou na terra prometida?
BIBLlA - Depois percorrer 40 anos no deserto, já velho
e cansado, ele abençoou todas as tribos que formavam
o povo de Israel e subiu ao monte Nebo, para ver pela última
vez a Terra Prometida, cujo solo, por determinação
divina, jamais chegaria a pisar. Em Deuteronômio, eu afirmo
que Moisés, servo de Javé, morreu ali, na terra
de Moab, conforme a palavra de Javé. E o próprio
Javé o sepultou no vale, na terra de Moab. defronte a
Bet-Fegor; Até hoje ninguém sabe onde é
sua sepultura, ou se ele de fato morreu mesmo ou subiu aos céus.
Esse é um dos muitos mistérios de Deus.
JS
- Como Jesus Cristo se portou diante dos Mandamentos?
BIBLlA - Embora censurasse o legalismo autosuficiente dos fariseus,
Jesus assumiu a lei antiga: Ele afirma no livro de Mateus: "Não
penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim
revoga-los, mas, dar-Ihes pleno cumprimento". A plenitude
da Lei e dos Profetas é o amor de Deus e do próximo,
que é o dom de Deus por excelência. Nas igrejas
cristãs, o decálogo, núcleo da lei antiga,
tem sido usado como instrumento pedagógico na formação
da consciência religiosa e moral. Santo Agostinho introduziu
o decálogo nos ensinamentos para o batismo. No século
XIV, o decálogo foi compilado nos manuais para a confissão.
Protestantes e católicos incluem-no nos catecismos para
a juventude; e os anglicanos, no serviço da comunhão.
JS
- Fale um pouco do livro de Salmos, o maior de todos?
BíBLIA - Os Salmos, cerca de metade dos quais atribuídos
a Davi, é uma coleção de 150 hinos de louvor
a Deus, de arrependimento, de súplica, de ações
de graças ou de VO' rememoração de acontecimentos
sagrados. Os judeus os usavam nas funções litúrgicas
do templo. Os cristãos usam-nos desde o tempo dos apóstolos.
O Cântico dos Cânticos é, de todos os livros
do Antigo Testamento, o de interpretação mais
polêmica devido a seu tema: o amor mútuo entre
um amado e sua amada, que se unem, se perdem, se buscam e voltam
a se encontrar.
JS
- Seria então uma exortação à luxúria?
BIBLlA - Por empregar a linguagem de um amor apaixonado, causou
estranheza e suscitou dúvidas até mesmo quanto
a sua canonicidade. Uma das interpretações mais
antigas é a que lhe atribui um sentido alegórico,
ou religiosamente mais correto, preferiu ver nessas afirmações
o amor de Deus por Israel, e do povo por seu Deus. Alguns exegetas
católicos preferem a interpretação literal:
os cânticos celebram o amor mútuo, confirmado pelo
sacramento do matrimônio, que, como se sabe, nem sempre
fora visto com as bases monogâmicas de agora.
JS
- Mas mesmo os profetas estão divididos em grupos. Porquê?
BIBLlA - No Antigo Testamento, apresento os profetas em duas
grandes divisões: os maiores e os menores. No primeiro
grupo figuram Isaias, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Os profetas
menores, assim chamados não por serem considerados de
menor importância, mas pela pouca extensão de seus
escritos, são Oséias, Joel, Amós, Abdias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias
e Malaquias.
JS
- Quantos são os nomes de Deus?
BIBLlA - Javé, Iavá, Jeovah, Eloim e uma série
de outros derivados dessas expressões que são
as mais primitivas.
JS
- Qual a data verdadeira do nascimento de Jesus Cristo?
BIBLlA - 25 de dezembro foi definida pela Igreja de Roma sem
levar em conta as minhas afirmações a esse respeito.
Primeiro porque ele jamais nasceria na efervescência de
uma festa paga romana como a Saturnália ou o natalis
invicti solis. No livro de João está dito que
"O Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como
a glória do unigênito do Pai". Na frase, habitou
é a tradução de tabernaculou, que vem de
tabernáculo, do verbo habitar. Portanto, Jesus nasceu
no período da festa de Tabernáculos, que é
uma manifestação judáica. No calendário
dos judeus, a festa ocorre no sétimo mês, o que
corresponderia ao final de setembro e início de outubro
no calendário atual.
JS
- Qual a língua falada por Jesus Cristo?
BIBLlA - Na Galiléia, entre os seus íntimos, o
filho de José e Maria falava em aramaico. No entanto,
e isso está dito em mim, mesmo sendo suas últimas
palavras ditas na cruz nesse idioma, na sua doutrina em público,
assim como as discussões com os fariseus e sua fala com
Pôncio Pilatos, foram realizadas principalmente em grego.
Resumindo seria mais ou menos o seguinte: No tempo de Jesus,
o povo da Palestina falava o aramaico em casa, utilizava o hebraico
na leitura das escrituras e todas as transações
comerciais eram em grego.
JS
- Quem escreveu o Apocalipse?
BíBLIA - O livro é de autoria do profeta João.
Representa um gênero literário apocalíptico
da época, sendo também conhecido como o "livro
das Revelações". João o inicia escrevendo
uma série de cartas encaminhada as sete igrejas da Ásia,
e prossegue com relatos de visões e profecias a respeito
do fim do mundo, do julgamento final sobre os homens e as nações
e a volta de Jesus Cristo. Certamente João tinha como
convicção de que as suas profecias seriam realizadas
ainda em seus dias. Como isso de fato não aconteceu,
os interpretes posteriores a ele, preferiram explicas as previsões
como acontecimentos que ainda estão por vir. Sendo assim,
cada geração se torna parte integrante do fato
anunciado e com isso eu me mantenho sempre atualizada, independente
do tempo e das gerações.
JS
- O quê e quais são os livros apócrifos?
BíBLIA - Esta a denominação que comumente
se dá aos 14 livros contidos em algumas das minhas versões,
entre os dois Testamentos. Originaram-se do terceiro ao primeiro
século antes de Cristo. A maioria dos quais de autor
incerto, e foram adicionadas a Septuaginta, tradução
grega do Velho Testamento, feitas naquele período. Não
foram escritos no hebraico do Velho Testamento e produzidos
depois de haver cessado as profecias, oráculos e a revelação
direta do Velho Testamento. Por isso foram inicialmente rejeitados
pelo Cânon que por sua vez aceitou inclui-los, depois
do Concílio de Trento, em 1546. São em número
de 14 e são assim chamados por causa da origem grega
"apokriphos", que significa ocultos. São eles:
1º e 2º Esdras, Tobias, Judite, Adições
a Ester, Oração de Manasses, Epístola de
Jeremias, Livro de Baruque, Eclesiástico, Sabedoria de
Salomão, 10 e 20 Macabeus e adições a Daniel,
que inclui a Oração de Azarias, o Cântico
dos Três Hebreus, e Bel e o Dragão. Nunca foram
reconhecidos pelos judeus como parte das Escrituras hebraicas.
Nunca foram citadas por Jesus, nem por ninguém mais no
Novo Testamento. Não foram reconhecidos pela Igreja Primitiva
como de autoridade canônica, nem de inspiração
divina.
JS
- Quais os critérios adotados para se afirmar um texto
é ou não fruto da inspiração Divina?
BíBLIA - As passagens bíblicas começaram
a ser escritas esporadicamente desde os tempos anteriores a
Moisés. Todavia, ele foi o primeiro codificador das traduções
orais e escritas de Israel, no século XIII antes de Cristo.
A essas tradições - leis, narrativas, peças
litúrgicas - foram sendo acrescidos, aos poucos, outros
escritos no decorrer dos séculos sem que os judeus se
preocupassem com a organização dos mesmos. Já
no século I da era cristã, como os apóstolos
começaram a escrever os primeiros livros contando a fase
pós-Jesus Cristo, como as cartas de São Paulo
e os Evangelhos, apresentados ao povo como a continuação
dos livros sagrados dos judeus, estes se reuniram no Sínodo
de Jâminia, ao Sul da Palestina, por volta do 100 depois
de Cristo, com um objetivo bem definido: estabelecer regras
que caracterizariam os livros sagrados - que teriam sido escritos
sob a inspiração divina - impondo a eles quatro
condições. A primeira é que o mesmo não
poderia ter sido escrito fora da terra de Israel. A segunda
teria de ser escrito em hebraico, nunca em grego ou aramaico.
Uma outra exigência determinou o período. Ou seja,
não poderia ter sido escrito depois de Esdras, ou entre
os anos 458 e 428 antes de Cristo. Por último, o escrito
jamais teria em seu conteúdo algum tipo de contradição
com a Torá, Ou lei de Moisés.
JS
- Como explicar um papiro?
BíBLIA - É constituído por tiras de medula
do papiro (espécie de caniço com caule triangular,
da família das ciperáceas, da grossura de mais
ou menos um braço e de 2,5 m a 5 m de altura), cortadas
em fina_ talas e colocadas em camadas cruzadas, estas tiras
formam folhas que são em seguida, fixadas umas após
outras e enroladas em torno de uma vara. O rolo assim formado
se chama, em grego, biblos (dai a palavra: Bíblia) e
pode ter até 10 m de comprimento. Os papiros do Novo
Testamento são os mais antigos documentos de base que
possuímos: em sua maioria datam do século 111.
Um papiro descoberto em 1935 deve mesmo ser datado do começo
do segundo século.
JS - E um pergaminho?
BíBLIA - É uma pele, ordinariamente de ovelha,
cabra ou bezerro, tratada e cortada em folhetos (a palavra "pergaminho"
se originaria da cidade de Pérgamo): estes são
postos um em cima do outro para formar não um rolo, mas
um volume (em grego: teuchos) de onde vem à palavra Pentateuco
para assinalar os primeiros cinco livros do Velho Testamento.
Os pergaminhos, trazendo textos do Novo Testamento, datam somente
do século IV, no máximo, mas apresentam-nos, geralmente,
textos completos do Novo Testamento. O princípio e o
fim do texto faltam às vezes, em conseqüência
da deterioração, fácil de imaginar, dos
folhetos da capa. Todos estes documentos são escritos
em grego, mas em um grego que não é mais o grego
clássico. (Este grego, comumente falado em todo império,
é denominado Koinê: língua comum). Os manuscritos
mais antigos do Novo Testamento são escritos em letra
maiúsculas ou "unciais". Atualmente seu número
é de 252 (excluem-se os achados de Qumran, que ainda
não foram reconstituídos totalmente, não
se sabendo assim o seu número exato). As edições
críticas os designam por letras maiúsculas. Os
manuscritos em minúsculas (conhecemos hoje 2646) datam
no máximo do século IV. Entretanto não
devem ser negligenciados porque os copistas do século
IX, X e XI recopiavam possivelmente manuscritos em maiúsculas
muito mais antigos, que não possuímos mais. As
edições críticas os assinalam por algarismos
árabes.
JS
- O quê vem a ser hermenêutica?
BIBLlA - É o estudo dos princípios gerais da interpretação
dos meus textos, em cujos métodos se inclui a exegese
ou análise crítica. Por extensão, passou-se
a chamar hermenêutica à interpretação
de escritos importantes em geral. Os principais campos de interesse
da hermenêutica são a religião, o direito,
a filosofia e a história. No que diz respeito a mim,
vale detalhar a Hermenêutica religiosa. O caráter
sagrado dos relatos que faço em cada livro sobre o judaísmo
- no que se refere ao Antigo Testamento - e o cristianismo,
baseia-se na convicção de que essas informações
contenham uma conotação divina. Essa minha aceitação
como palavra de Deus, no entanto, não ensejou um princípio
hermenêutico uniforme. Para alguns, a interpretação
bíblica deve ser sempre empreendida literalmente, uma
vez que a palavra de Deus é explícita e completa.
Outros afirmam que as minhas palavras encerram um significado
profundamente espiritual, já que a mensagem de Deus não
pode ser captada por uma leitura superficial. Uma terceira posição,
enfim, sustenta que certas partes contidas em mim devem ser
compreendidas literalmente e outras de maneira simbólica.
JS
- Explique melhor essa simbologia?
BIBLlA - Visto dessa forma, interpretar-me exige conhecimentos
de pelo menos dos quatro tipos principais de hermenêutica:
literal, moral, alegórica e analógica, ou puramente
espiritual. A interpretação literal associa-se
com a convicção segundo a qual não só
a mensagem divina, como também cada uma das palavras
que constituem os meus livros é a inspiração
divina. Como crítica a forma extrema desse tipo de hermenêutica,
podese dizer que ignora as evidentes diversidades de estilos
e vocabulário dos diversos autores bíblicos. Santo
Tomás de Aquino, Martinho Lutero e Calvino foram' partidários
da hermenêutica literal.
JS
- A proibição de comer carne de porco, por exemplo,
é ético ou moral?
BíBLlA - Faz parte da interpretação moral
buscar estabelecer os princípios exegéticos mediante
os quais se pode extrair as liÇões de reconhecido
conteúdo ético. Associa-se, com freqüência
a essa prática a versão alegórica da hermenêutica.
Assim, por exemplo, a Carta de Barnabé, escrita aproximadamente
no ano 100 da era cristã, considerava que ao proibir
comer a carne de certos animais, na verdade, referia-se principalmente
aos vícios simbolicamente representados por eles. Aqui
fica a questão: seria o vício da gula, referindo-se
aos homens, ou seria o hábito da imundice, referindo-se
ao exemplo do porco?
JS
- Uma pergunta inevitável. Quem é Deus?
BíBLIA - Numa definição ampla, trata-se
de um ser supremo, causa primeira, existente por si, absoluto,
infinito, eterno, perfeito, onipotente, onisciente, o bem supremo
(Summum bonum). Esses são os atributos de Deus admitidos
por todas as religiões e aceitos - ainda que para negar
a existência divina - até mesmo pelos ateus. Deus
é proposto pela razão e pelo sentimento como explicação
do universo, da origem do homem, dos valores e da moral - verdade,
bem, justiça, amor. Assim, se Deus existe, e venho dizendo
que existe há três mil anos, é por ser diferente
e superior a tudo aquilo que se pretende explicar com sua existência.
Superior inclusive, à razão humana, para a qual
constitui um mistério.
#0066CC
BíBLIA - Eu diria que é sempre possível
se chegar a Deus pela razão ou pela fé. A convicção
da existência Dele uma definição e a uma
descrição ao mesmo tempo. Qualidades que se atribuem
a Deus, como infinitude e onisciência, no entanto, são
apenas analogias com conceitos que a razão humana pode
admitir: a essência de Deus é misteriosa para o
homem. Até mesmo os que afirmam ter contemplado Deus
- caso de Moisés e Elias - consideraram a experiência
indescritível em termos humanos. E preciso entender que
se Deus fosse transparente e compreensível ao entendimento
humano, seria apenas uma criatura a mais, algo pertencente ao
mundo, e não a razão última de todas as
coisas. A idéia genérica de Deus é, pois,
um símbolo que indivíduos, grupos e culturas usam
de várias formas e com significações distintas,
para indicar e exprimir sua visão daquilo que se poderia
denominar a última realidade.
JS
- Assim como seus livros, a descrição de Deus
não poder ter sofrido influência dos povos primitivos?
BIBLlA - É perfeitamente possível. Trata-se de
um fenômeno conhecido entre os estudiosos que o chamam
de tradição metafisica. Na civilização
ocidental, a idéia de Deus está profundamente
marcada pela influência que a cultura grega exerceu em
sua formação. Desde seus primórdios, a
filosofia grega dedicouse a procurar resposta às seguintes
perguntas: qual a explicação para a unidade do
mundo sensível? O que explica a ordem do universo e o
fato de que ele não se transforme em caos? Qual é
a realidade permanente que está no fundo da transitoriedade
de tudo o que ocorre no tempo? Tais perguntas revelam uma intuição
- ou seria inquietação - própria da - cultura
grega: os processos de mutação por que passa o
mundo material se dão sobre uma unidade básica,
estável e atemporal. É nesse ponto que entra DEUS,
como resposta de tudo que não tem resposta.
JS
- O abstrato ajuda ou atrapalha?
BIBLlA - Deus é o símbolo para a idéia
mais alta, o fundamento de tudo o que existe e o princípio
lógico que permite entender o que existe. A visão
de Deus confunde-se assim com a mais alta forma de intuição
intelectual. É ele o primeiro princípio sobre
o qual a existência e a explicação do mundo
se assentam. A questão da existência de Deus se
torna então absolutamente fundamental, porque dela dependem
não só a existência e a ordem do cosmos,
como também a possibilidade de seu conhecimento. Essa
exigência científica acaba sendo à base
das argumentações cosmológico, teleológico
e ontológico - sobre a existência de Deus e de
toda a teologia natural. Mesmo sendo bem mais complexa que a
visão religiosa, haverá sempre uma explicação
a ser dada.
JS
- Por exemplo?
BIBLlA - Primeiro são os Argumentos Cosmológicos.
Ao contemplar o universo, a mente humana formula as perguntas
que qualquer outro fenômeno lhe sugere. De onde vem? Que
força o produziu? Ora, o cosmo não contém
em si mesmo a resposta para a pergunta sobre suas origens. A
explicação do cosmo se encontra fora dele, numa
causa primeira, não causada, Deus. A primeira elaboração
filosófica desse argumento se encontra em Platão.
Seu ponto de partida é o movimento, que embora possa
ser classificado de várias formas, em última análise
é redutível a dois tipos: movimento espontâneo
e movimento comunicado. O movimento espontâneo deve obrigatoriamente
anteceder ao movimento comunicado, pois somente se ele já
existir poderá ser depois comunicado. A matéria
é inerte e só se move em decorrência de
uma força exterior. No homem, somente a alma é
fonte de movimento espontâneo. Essa é a razão
por que, sem a alma, o corpo é morto. De forma análoga,
todos os movimentos no universo que não decorrem da ação
direta do homem têm de ser explicados por referência
a uma fonte maior de movimento espontâneo: a alma do mundo.
Considerando que todos os movimentos do cosmo são ordenados
e racionais, conclui-se que a alma do mundo é racional
e boa. Resumindo: essa alma é Deus.
JS
- Quais seriam os outros argumentos?
BiBLlA - Um deles é o Teleológico. A decifração
de um dos mais fascinantes enigmas do universo é tentada
pelo argumento teleológico da existência de Deus.
Que os homens, capazes de ter e expressar desejos, sejam capazes
de agir com uma intenção e consciência teleológicas,
isto é, dirigidas para um objetivo, é explicável.
Entretanto, como se poderá entender que os animais e
mesmo vegetais, sem nenhuma idéia consciente de finalidade,
sejam capazes de agir na direção de propósitos
que eles mesmos desconhecem? Do ponto de vista da experiência
humana, o comportamento intencional só pode ser explicado
por referência a uma mente e a uma vontade que o orientem.
Portanto, só admitindo que o universo é governado
por uma mente se poderá explicar a teleologia que se
observa nos níveis inconscientes da realidade. Esse argumento
é a base de toda a doutrina vivida e ensinada por são
Tomás de Aquino. Esse argumento é Deus.
JS
- Que outros livros podem ser chamadas de Bíblia?
BIBLlA - Mais pela tradição que pelos escritos,
apenas dois: O livro dos Mórmons e o Alcorão.
O primeiro adotado pela Igreja de Jesus Cristo dos Últimos
Dias - ou mórmons - alimenta a fé de cerca de
quase quatro milhões de seguidores. Eles estão
presentes em, países como Estados Unidos, Canadá,
na América Latina - onde se inclui o Brasil – na
Europa e na Oceania. Os Mórmons proclamam, uma nova revelação,
a restauração do sacerdócio e dos rituais
da “verdadeira igreja", além da possibilidade
de seus seguidores atingirem o estágio da divindade.
Embora a designação da igreja faça referência
explícita a Jesus Cristo, a doutrina mórmon difere
das crenças das igrejas cristãs tradicionais principalmente
por ser politeísta. Para os mórmons, Deus é
uma evolução do homem e os homens podem evoluir
e se tornarem deuses. Além disso, crêem em Deus
Pai, em Jesus Cristo e no Espírito Santo como pessoas
distintas. A religião foi fundada em 1830 nos Estados
Unidos por Joseph Smith Junior. Segundo seu próprio testemunho,
Smith, guiado por uma revelação do anjo Moroni,
encontrou e traduziu em 1827 o Book of Mórmon (O Livro
de Mórmon), que constitui o principal texto sagrado da
seita. Em termos de estilo e temas tratados, os seus escritos
se assemelha ao meu Antigo Testamento e reconta a história
das tribos de Israel. O outro livro sagrado, o Alcorão,
é um relato do profeta Maomé por intermédio
do anjo Gabriel, do conteúdo de "uma tábua
conservada no céu", conhecida entre os islâmicos
como a "Mãe do Livro". O Alcorão logo
se tornou o livro sagrado do Islã: o Alcorão ou
Corão (do árabe "alQuram", "o recitativo"
ou "o discurso"), em sua versão atual, se deve
ao terceiro califa (sucessor do profeta), Utman, que, temendo
a perda do texto devido à morte, em campanhas militares,
de muitos recitadores do Alcorão, mandou recolher as
diversas cópias e estabelecer a definitiva. Para evitar
novas confusões, ordenou a destruição de
todas as demais versões, embora uma ou outra se tenha
salvado. As dificuldades para estabelecer o texto foram agravadas
pelo desenvolvimento ainda incipiente da escrita árabe
e pelas diferentes interpretações que os diversos
recitadores davam ao texto.
JS
- Qual a composição organizacional do Alcorão?
BíBLIA - Os compiladores não seguiram uma ordem
cronológica, considerada por todos como difícil
de determinar, nem uma sistematização temática.
Mas ordenaram os capítulos conforme instruções
específicas do profeta. De modo geral, situaram os de
maior extensão antes dos menores. No total, o livro se
compõe de 114 capítulos ou suratas, divididos
em versículos (aiat), que começam com uma invocação
a Alá. Sua extensão, de aproximadamente oitenta
mil palavras.é semelhante a do meu Novo Testamento.
JS
- Como o Alcorão vê profetas cristãos do
quilate de um Moisés ou mesmo de um Jesus Cristo?
BíBLIA - Moisés e Jesus Cristo, para Maomé,
revelaram a mensagem de Deus, mas seus povos a desvirtuaram.
Deus se teria revelado a Maomé para confirmar, emendar
ou substituir as revelações anteriores. O texto
do Alcorão tem caráter sagrado, até mesmo
na grafia, de modo que deve ser recitado em árabe, e
só em árabe, mesmo quando o crente não
entenda essa língua. Os muçulmanos se opuseram
sempre a traduções, sobretudo para as línguas
ocidentais. Até hoje exigem que, se realizadas, sejam
acompanhadas do texto em árabe.
JS
- Qual seria então o maior ensinamento da "Bíblia"
Islâmica?
BíBLlA - A pregação de Maomé se
baseia num monoteísmo absoluto. Existe um só Deus,
criador, onipotente e misericordioso; um juízo final
premiará os bons e castigará os pecadores, na
vida extraterrena. A criação reflete o poder,
a sabedoria e a autoridade de Deus, mas Deus é totalmente
distinto da criação, embora nela esteja intimamente
presente: "Mais próximo do homem que sua própria
veia jugular". O homem é como que o representante
de Deus na criação, mas, apesar disso, ignorante
e louco. É livre - à diferença do resto
da criação - para seguir ou não a revelação
e os mandamentos divinos; no entanto, também se salienta
que Deus tem absoluto controle dos homens, o que se pode quase
interpretar como predestinação.
JS
- Cristãos, islâmicos, Mórmons. E o Candomblé?
Pode ser também chamado de religião?
BIBLlA - O candomblé das diversas "nações"
africanas é a religião afro-brasileira que mais
fielmente preserva as tradições dos antepassados
e a menos permeável às transformações
sincréticas, embora cultue secundariamente entidades
assimiladas, como os caboclos e os pretos velhos. De origem
africana, logo se espalhou pelo mundo, em especial no Brasil
em estados como a Bahia e o Rio de Janeiro. A umbanda é
francamente sincrética com o cristianismo e o espiritismo
kardecista. Os subúrbios do Rio de Janeiro possuem grande
quantidade de terreiros ou barracões de umbanda. O culto
afro-brasileiro toma o nome de pajelança na Amazônia,
babaculê no Pará, tambor-de-mina no Maranhão,
xangô em Alagoas, Pernambuco e Paraíba e batuque
no Rio Grande do Sul. Paradigma dos cultos de origem africana
em todo o país, o ritual do candomblé pode ser
considerado, do ponto de vista musical, um oratório dançado.
Cada entidade - ou Santos, como orixá, exu ou erê
- tem suas cantigas e suas danças específicas.
Os rituais ou cultos são bastante diferenciados, mas
a essência dos caboclos e a mesma. O candomblé
incorpora ainda elementos ameríndios, do catolicismo
popular e do espiritismo.