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ENTREVISTA
Mário Martins Meireles*
Entrevista concedida ao jornalista Carlos Andrade e publicada
na edição de abril de 2000, do jornal da Soamar.

* O historiador Mário Martins Meireles (1915-2003)
nasceu e veio a falecer em São Luís do Maranhão.
Morou na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, exerceu os
cargos de diretor do Banco do Estado do Maranhão e
de Chefe da Casa Civil no governo de Pedro Neiva de Santana
(1972/1975). Ingressando na carreira do magistério
m 1940, foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia de
São Luís do Maranhão, na qual trabalhou
como professor universitário do Curso de História.
Essa foi uma das primeiras instituições que
deram origem à Universidade Federal do Maranhão
– UFMA. A seguir uma esclarecedora entrevista publicada
no Jornal da Soamar, em sua edição de abril
de 2000.
“Hoje não
tenho nenhuma dúvida que o Brasil já havia sido
descoberto antes por Portugal e coube a Pedro Alvares Cabral,
que nem assim se chamava, apenas o mérito do achamento”
O professor Mário
Martins Meireles é maranhense de São Luís
e tem 85 anos de uma vida dedicada ao Ministério da
Fazenda, a poesia, e história das civilizações
humanas e ao magistério. As primeiras letras aprendeu
no Jardim de Infância do Liceu Feminino Santista, em
São Paulo. Como professor de História, tem mais
de 30 livros publicados. O mais recente é a “A
Partição do Mar Oceano”, escrito para
comemorar os 500 anos do Brasil, como forma de retribuir a
homenagem de ser escolhido para representar o Maranhão
nas festividades organizada pelo Governo Brasileiro. O livro
ficou pronto, mas a sua participação na programação
oficial nunca aconteceu. Histórias como essa, deste
e de outros séculos, estão nessa entrevista.
Muitos são os títulos do professor Mário
Meireles. De primeiro presidente da Soamar do Maranhão
a sócio do Instituto Histórico e Geográfico
do Maranhão e de outras cidades como Paraíba,
Santos e Brasília. E também membro da Academia
Maranhense de Letras e das Academias de Santos e Carioca.
É um dos fundadores da Faculdade de Filosofia do Maranhão,
antes mesmo dela ser incorporada pela UFMA. Entre os livros
publicados, os mais importantes são: Panorama da Literatura
Maranhense; História do Maranhão; A História
da Arquidiocese do Maranhão; A França Equinocial
e A Partição do Mar Oceano.
• JS — Como
surgiu o historiador no Senhor?
MÁRIO MEIRELES — Essa é
uma herança deixada em mim pelo mestre e professor
catedrático de História, Jerônimo Viveiros.
Ele ensinava no Liceu Maranhense e tinha uma maneira muito
particular de exercer o magistério e isso me fascinou
ao ponto de influenciar para essa disciplina durante toda
minha vida. Outra explicação ser ia a determinação
de minha mãe, que ao conseguir a vaga para mim estudar
por força e influência do professor Viveiros
que era casado com uma prima dela, me dizia a todo instante
que eu deveria ser um bom aluno e nunca fazer feio na escola
porque estava estudando de favor e tinha a obrigação
de retribuir isso.
• JS — A disciplina
história sempre lhe fascinou, ou havia outras?
MÁRIO MEIRELES — No meu tempo
de ginásio, os professores eram muito rígidos
e tinham um prazer especial em reprovar quem não demonstrasse
dedicação nos estudos. Ou a gente aprendia ou
o ‘pau roncava”. Quando terminei o curso a minha
turma tinha apenas 13 alunos. Ou seja: ou a gente sabia ou
não sabia. Mas havia sim as especialidades. Eu era
o melhorem história, Costa Fernandes era o melhor de
francês, Geraldo Meio se destacava em outra matéria
e era assim.
• JS — Cite
alguns professores dessa época.
MÁRIO MEIRELES — Jerônimo
Viveiros, Gregório e Franco, Osório Anchieta,
Lafaiete de Mendonça e tantos outros...
• JS — Um historiador precisa
de uma boa memória. A sua nunca lhe traiu?
MÁRIO MEIRELES — Essa é
uma capacidade necessária para qualquer pessoa que
se dedique ao estudo da história. Pois ninguém
sabe tudo e muito menos ainda quando se trata de história
que é um verdadeiro saco sem fundo. Por ser assim,
é preciso se estudar sempre e todo tempo. Agora mesmo,
eu já com 85 anos, tive de ler 132 Livros para não
fazer feio por ocasião as festividades dos 500 anos
do descobrimento do Brasil.
•
JS — O Senhor fazia parte da Comissão Nacional?
MÁRIO MEIRELES — Essa é
um, história longa. Li na imprensa que havia sido indicado
pelo Governador Ribamar Fiquene para representar o Maranhão
naquela comissão. Por conta dessa gentileza, me debrucei
nos livros e devorei esses 132 que falei antes. Por conta dessa
gentileza, resolvi que escreveria um livro sobre o assunto e
o fiz. Mas por causa da reforma administrativa da Governadora
Roseana Sarney acabei ficando sem ter com quem me entender,
porque a Secretaria de Cult ura foi extinta e tudo ficou mais
difícil. Mas fiz o livro. Esses originais chegaram ao
conhecimento de uma maranhense, amiga da nossa família,
chamada Luziram Camões Peixoto, professora muito competente
e ocupaste de uma das Diretorias do Ministério da Educação...
•
JS — O que isso tem a ver com a sua indicação
para as festividades dos 500 anos?
MÁRIO MEIRELES — Porque sobre
essa indicação nunca mais ninguém falou
nada e isso começou a me intrigar. Então conversando
com ela sobre o assunto, acabei relatando o episódio
e uma semana depois o Chefe de Gabinete do Ministro nos telefonou
informando que todas essas indicações preliminares
foram repassadas ao Ministério do Exterior e que ele
não tinha nada a dizer sobre o assunto. Mas mesmo assim
pediu os originais do livro pra ler, gostou e se comprometeu
a publicá-lo. Mas tem a história da indicação
que fui mas não fui. Há pouco tempo recebi a visita
de um amigo meu que era reitor no Amapá, também
maranhense, e que, estando morando em Brasília, havia
recebido o convite para representar o nosso Estado na tal comissão.
Eu fique sem entender nada, mas o certo é que ele acabou
sendo de fato o representante do Maranhão e não
eu.
• JS — Quem afinal
e quantos descobriram o Brasil?
MÁRIO MEIRELES — Como professor de história
tenho que admitir que foi mesmo Cabral o primeiro homem branco
a piar em terras brasileiras. Isso está nos livros, mas
hoje, depois de muita gente pesquisar e se aprofundar no assunto,
a gente chega à conclusão que a história
não é bem assim. Houve na verdade, e eu estou
convencido disso, um achamento de uma terra previa mente conhecida
por Portugal através de informações de
navegantes que aqui estiveram antes mesmo de Cabral.
•
JS — Então foi um achamento e não um descobrimento?
MÁRIO MEIRELES — Várias correntes indicam
nessa direção e uma das provas mais importante
dessa tese é uma outra carta que não é
de Pero Vaz Caminha e sim de outro integrante da frota de Cabral,
chamado mestre Joana Farias. A missiva deste, que era médico,
é datada do mesmo dia da oficial – 1º de maio
— ele fala ao Rei da nova terra com suas coordenadas,
desenha em sua lateral a constelação que viria
a ser a de Cruzeiro do Sul e faz um alerta curioso ao Rei. Manda
o monarca conferir os dados com o mapa de Pero Vaz da Cunha,
o Bizagudo...
•
JS — Quem é o Bizagudo?
MÁRIO MEIRELES — Era um navegante
que em 1485 tinha afama de ser um dos grandes capitães
do mar de Portugal. E coube a ele a missão, por ordem
do Rei, de ir ao Senegal. No mapa de Bizagudo, dizia o Farias,
essa terra já estava assinalada como uma ilha, porém
ele não tinha conhecimento se era habitada ou não.
Por causa dessa dúvida, sugeria ao Rei que comparasse
os dados da nova terra àquela identificada no mapa do
Capitão Pero Vaz da Cunha.
• JS — Onde está
esse mapa?
MÁRIO MEIRELES — Esse é
o problema histórico. A Carta existe, a recomendação
está lá, mas o mapa jamais fora encontrado. Mas
um sujeito com a formação de um médico
não seria louco de inventar uma história dessas
para o Rei de Portugal. Além dessa evidencia do achamento
existem muitas outras. O próprio Tratado de Tordesilhas
é uma delas.
•
JS — Como assim?
MÁRIO MEIRELES — Quando Portugal
e Espanha (Castela) iniciaram a fase do descobrimento, dividiram
o mar em duas partes, ficando a parte Norte para Castela e o
Sul para Portugal. Tudo isso porque no início do século
XV, pouca gente sabia e muitos menos ainda acreditavam que a
terra era redonda. Pois bem. Quando os reis de Castela, Fernando
e Isabel foram assinar o Tratado de Tordesilhas com o Rei D,
Manoel, de Portugal, queriam eles que a linha imaginária
fosse determinada a 100 léguas de Cabo Verde. Avisados
por Duarte Pacheco Pereira, que em 1488, a sua ordem, fizera
uma viagem de reconhecimento semelhante a feita anteriormente
por Cristovão Colombo, o Rei de Portugal exigiu —
e foi atendido — que a linha divisória entre os
dois domínios passasse a 370 léguas de Cabo Verde
e não apenas 100 como queriam os espanhóis. Outra
exigência de Portugal: a linha seria com base nos Meridianos
e não nos paralelos como fora sugerido inicialmente.
•
JS — Todo esse interesse em mudar as regras, em sua opinião,
tinha um motivo bem claro?
MÁRIO MEIRELES — Exatamente. Portugal
sabia da existência da terra e tudo fez para tê-la
sob sou domínio na hora da divisão de Tordesilhas.
Se fossem mantidas as medidas que queriam os reis de Castela,
a área determinada a D. Manuel acabaria no meio do oceano
atlântico. Do jeito que ficou, abocanhou todo o Brasil.
•
JS — Cabral então sabia o que iria fazer desde
sua partida?
MÁRIO MEIRELES — A própria
carta de Pero Vaz de Caminha faz entender isso ao afirmar que
não houvera tempestade, maremoto ou qualquer outro transtorno
a justificar a mudança de rota. Cabral tinha uma orientação
do seu amigo Colombo para se afastar um pouco da Costa, mas
não tanto. Tudo leva a crer que havia uma rota traçada
antes mesmo da partida da Frota. Portanto a missão de
Cabral era mesmo de achar a terra, pois ela já havia
sido descoberta antes. Essa tese do achamento não é
aceita por Portugal. Muito pelo contrário. O próprio
Rei D. Manuel, ao comunicar as demais coroas da novidade, diz
em seu texto que Cabra! descobrira “milagrosamente”
uma nova terra.
•
JS — Achar e descobrir, nesse caso, não é
a mesma coisa?
MÁRIO MEIRELES — Essa era uma
das dúvidas dos historiadores. Todos sabem que Pero Vaz
não fala em descobrimento e sim achamento. Buscou- se
então a ajuda dos filólogos da época, entre
os quais D. Carmina Micaele de Vasconcelos, uma das três
grandes da época, ao lado de Cândido de Figueiredo
e Gonçalves Viana. Foram eles os responsáveis
pela primeira reforma ortográfica feita em 1911. Pois
bem: Foi a Carmina Micaele que trouxe a explicação
definitiva: achamento, como se falava no início do século
16, queria dizer encontrar algo que havia se ido procurar. E
descobrimento, quando encontrado de forma ocasional.
•
JS — Quem é mesmo o grande herói do achamento?
MÁRIO MEIRELES — Acaba sendo mesmo
o Pedro Álvares Cabral, que aliás, nem era chamado
assim. Pouca gente sabe mas o nome dele era Pedro Alvares de
Gouveia, pois naquele tempo, em Portugal, somente os filhos
mais velhos recebiam o nome da família e por conseqüência
suas heranças. A carta de nomeação dele
como Comandante Geral da Expedição, assinada pelo
Rei, o cita com o nome original de Pedro Alvares de Gouveia,
por que ele era o segundo filho. Ocorre que durante sua ausência,
o irmão mais velho morreu e o nome Cabral lhe fora dado
por “Direito de Primogenitura”.
•
JS — Como um historiador vê uma data como 22 de
abril não ser feriado nacional?
MÁRIO MEIRELES — Eu sempre defendi
a tese que a data do descobrimento é muito mais importante
que o 7 de setembro. 22 de abril é a maior de todas as
datas, pois registra o início da nossa própria
história.
•
JS — E quanto ao Senhor Cabral? Ele voltou ou não
a Portugal?
MÁRIO MEIRELES — Voltou e o Rei
foi muito ingrato com ele. Apesar da festa de recepção,
depois Portugal organizou uma segunda esquadra que viria aqui
estabelecer o Vice-Reinado e novamente lhe fora confiado o com
ando. Porém, havia entre as embarcações,
uma esquadria formada por cinco caravelas que tinham autonomia
e, portanto, não estariam sob suas ordens e sim do Senhor
Vicente Sodré. Cabral não aceitou e foi exilar-se
em Santarém. Digo que o Rei lhe fora injusto porque no
seu próprio túmulo, tem uma placa ,dizendo apenas
o seguinte: aqui jaz D. Izabel, que era viúva de Pedro
Alvares. Todo resto da placa se resume a vida da mulher e não
fala mais dele. Nem como Gouveia nem como Cabral.
•
JS — Como o Senhor avalia esse período das descobertas?
MÁRIO MEIRELES — Um das páginas
mais fantásticas da história da humanidade pela
dificuldade e pela ignorância de então. Ninguém
sabia se a terra era redonda, os barcos eram uma porcaria, toda
orientação dependia da balestria, do astrolábio
e da bússola. Cada empreitada daquela era uma sentença
de morte para mais da metade deles. Morria-se de tudo. Fome,
peste, sede, escorbuto...
•
JS—
Mas São Luís não nasceu de Portugal nem
de Espanha?
MÁRIO MEIRELES — Essa história
é interessante. Portugal e Espanha dividiram todo esse
território, tiveram o aval do Papa e esqueceram todas
as outras potências da época. O próprio
Rei de França, Francisco 1, haveria dito que gostaria
de ver o testamento de Adão excluindo a França
dessa partilha. Com a insatisfação das demais
coroas, surgiram dois tipos diferentes de aventureiros. Os Piratas
e os Corsário. Os primeiros eram bandidos mesmos, sem
qualquer tipo de escrúpulo. Os segundo não. Apesar
do objetivo de tomar a força o que encontrassem, eram
recomendados e autorizados pelos seus respectivos reis. É
o caso de La Ravardiere, o fundador da cidade de São
Luís. Fidalgo francês, ganhou os mares do mundo
levando consigo uma Carta Patente do Rei de França, que
não dava a mínima para o tal Tratado de Tordesilhas.
E não foi apenas França que não reconhecia.
Inglaterra e Holanda também não deram a mínim
a para as regras impostas por Portugal e Castela.
•
JS — A história diz que os Franceses chegaram,
fundaram São Luís e depois foram expulsos. Isso
é verdade?
MÁRIO MEIRELES — È mais
não é. Desde aquele tempo as coisas eram decididas
resguardando os interesses de cada um. La Ravardiere estava
aqui e tinha recursos para vencer qualquer tentativa de expulsão
por parte dos portugueses. Acontece que lá na França,
as duas Coroas — França e Espanha — estavam
contratando o casamento do Rei Luis XIII, que era adolescente,
com a princesa espanhola. Por conta dessa negociação,
a Espanha exigia que a França chamasse de volta La Ravardiere,
que acabou fazendo. Por quê a Espanha fez isso? Em 1580
o Rei de Portugal que era o Cardeal D. Henrique morreu sem deixar
filhos. E então seis sobrinhos deles disputaram a Coroa
e quem ganhou foi o Rei de Espanha Felipe. Portanto no ano de
1612, quando La Ravardiere esteve aqui, Portugal estava sujeito
a Espanha porque o Rei era o mesmo.
•
JS — Muito bem. Os portugueses chegaram e encontraram
os índios. E estes, de onde vieram?
MÁRIO MEIRELES — De acordo com
a antropologia eles vieram da Ásia atravessando o Estreito
de Bering quando ele estava recoberto de gelo, lá pelo
Alasca. Vieram descendo até chegar à América
do Sul. Outros vieram atravessando o pacífico e assim
por diante. No Brasil primitivo tinha dois tipos de índio
s. Os tupis e os tapuias. Os primeiros eram bem mais adiantados
que os outros. Os tupis que ficaram do outro lado dos Andes
eram bem mais adiantados e fundaram os impérios Incas,
Astecas, o reino dos Caraciris. Pra se ter uma idéia
do nível de conhecimentos dos índios que ficaram
do outro lado, basta saber que os Astecas conheceram o zero
antes mesmo da Europa.
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