PAPAI
NOEL
São Nicolau, Santa Clauss ou o padroeiro
dos navegantes
Texto
e pesquisa: Carlos Andrade
Publicado na edição especial de natal do Jornal
da Soamar, edição novembro de 2000
Um
senhor simpático, capaz de visitar dois bilhões de crianças
numa única noite, percorrer mais de um milhão de quilômetros
e vencer, apesar da barriga e do volume de sua carga, a resistência
do ar em velocidade quase duas vezes a do som; existe, mora no Pólo
Norte e tem uma história com mais de XVIII séculos de
tradição. Seu nome: Santa Clauss, ou melhor, São
Nicolau, ou melhor, ainda, Papai Noel. De um simples camponês
de Mira, na Ásia Menor, onde se tornou bispo e santo depois da
morte, esse mito atravessou a história misturando lendas e realidades
em volta de si, até chegar ao país do marketing e se transformar
na mais conhecida figura associada ao Natal de todos os tempos. Foram
os americanos, em especial os artistas Thomas Nast e Haddon Sudblom,
que o desenharam, e Clement Moore, que o descreveu, os responsáveis
pela indumentária vermelha, as botas pretas e os adereços
de peles mais que apropriados para a região fria – o pólo
norte - onde passa a maior parte do tempo. Primeiro nos Estados Unidos
e depois no resto do mundo, Papai Noel virou referência de venda
e sua figura original de bispo, associada às coisas de Deus,
foi aos poucos deixando as igrejas em direção aos grandes
shoppings, supermercados e lojas de departamentos. Mas a religião
não perdeu o bonde da história. A medida que o nosso entrevistado
virava garoto propaganda de consumo, a Igreja fez de tudo para introduzir
seu próprio símbolo de Natal. Assim, o 25 de dezembro,
antes dedicado a outras festas tradicionalmente reconhecidas como pagãs,
passou a significar, também, o dia do nascimento do Menino Jesus.
A este caberia, dali em diante, manter viva a chama da fé num
Deus muito maior que o sol e infinitamente mais poderoso que Júpiter.
Nessa entrevista, Papai Noel, além da sua própria história,
fala do Natal, dos símbolos e do esforço da Igreja em
cristianizar as festas pagãs que giravam em torno do astro rei;
de Baco, o deus do vinho; e de outras crenças menos ortodoxa.
JS
- Papai Noel, onde afinal o senhor nasceu?
PAPAI NOEL - Essa pergunta tem na verdade duas resposta. Como Nicolau,
ou São Nicolau de Mira, sou natural da cidade de Lícia,
no ano 281, região de Patara, onde vivi do final do século
III até o início do século IV, na província
de Anatólia, uma das regiões da Ásia Menor, hoje
conhecida como Turquia. Como Papai Noel, nasci nos Estados Unidos, por
volta do ano 1800, fruto do conjunto imaginário de três
artistas americanos. Um poeta, chamado Clement Moore e dois desenhistas:
Thomas Nast e Haddon Sundblom.
JS
- E quanto aos seus pais?
VAPAI NOEL - Minha família, apesar de ser composta de lavradores,
era dona de muitas terras e possuía um grande patrimônio.
Meu pai chamava-se Epifânio e minha mãe era conhecida por
Joana. Eles viveram durante o século III, por volta do ano 270,
numa cidade de nome Patras, a alguns quilômetros de Mira, antiga
província da Licia. Religiosos por excelência, buscaram
a Deus com todas as preces para que este Ihes dessem um filho. Depois
de muito esperar, finalmente eu nasci, recebendo deles o nome de Nicolau,
que significa "uma pessoa vitoriosa".
JS
- E essa fama de homem bom começou quando?
PAPAI NOEL - Eu desde muito jovem despertei para a necessidade de fazer
bem às pessoas. Minha família por ser rica nunca teve
problemas com dinheiro. Por isso sempre ajudei aqueles que mais precisavam.
A origem dessa minha capacidade de presentear as pessoas pode ser bíblica,
como os Reis Magos do Oriente, Baltazar, Belchior e Gaspar, que saudaram
o nascimento do Menino Jesus com incenso, mirras e presentes, mas é
também familiar. Na casa dos meus pais, era comum aos sábados
formarem longas filas de pessoas para receber alimentos, roupas e dinheiro.
JS
- Os dotes fazem parte dessa opção de sempre ajudar?
PAPAI NOEL -Não apenas eles, embora essas histórias sejam
as mais conhecidas. Na Província de Licia, na cidade de Patara,
havia um guerreiro dos exércitos romano chamado Licondro. Fidalgo
de nome, mas arruinado de finanças, vivia o drama de não
saber como casar suas três filhas, pois não tinha como
pagar os dotes. Esse costume havia em toda região da Ásia
Menor. Por isso, vivia a propagar sua tristeza em condená-Ias
à prostituição por não ter como casá-Ias.
Então resolvi ajudar e deixei, às escondidas, um saco
de moedas de ouro embaixo da janela da mais velha e já em idade
de ter marido.
JS
- Se era na janela, aonde entra a chaminé nessa história?
PAPAI NOEL - Esse meu gesto ganhou um destaque muito grande na comunidade
e logo todos queriam saber o nome daquele bom samaritano. Ainda em segredo.
continuei ajudando outras moças pobres em idade de casar e na
mesma situação da filha do soldado romano. O que era um
simples ato de solidariedade ganhou ares de história, chegando
mesmo a se transformar em lenda. E como toda lenda que se preza, ganhou
também muitas distorções. Uma dessas variantes,
nascida da saga imaginária dos holandeses, dizia que eu havia
atirado o saco de moedas pelas chaminés das casas e enchidos
de dinheiro as meias que ali foram colocadas para secar ao calor. Existe
no entanto uma terceira versão, baseada na lenda da deusa escandinava
Herta, que aparecia nas chaminés das casas trazendo sorte as
pessoas daquela família. Ainda hoje, em países frios como
Holanda e Noruega e Dinamarca, as crianças colocam meias próximas
das chaminés ou das lareiras na esperança de encontrá-Ias
recheadas de presentes na manhã do dia seguinte.
JS
- Mas a tradição também fala em sapatos...
PAPAI NOEL - Muitas vezes eu deixava um saco de moedas como forma de
ajuda às famílias, colocando-os sobre as janelas, sempre
acompanhado da mensagem "O menino Deus é quem te envia esse
socorro". Uma certa vez, uma ventania derrubou a janela e jogou
o saco de moedas para o interior da casa, indo cair dentro de um sapato.
O felizardo espalhou a notícia e logo virou costume deixar sapatos
ao lado da cama para serem recheados de dinheiro durante a noite de
Natal.
JS
- Mas entre ser bom e ser santo existe muita diferença...
PAPAI NOEL - Meus pais morreram quando eu ainda era muito jovem. Um
dos meus tios então sugeriu que eu, por ser muito religioso,
deveria viajar até a Terra Santa. Convencido, embarquei num navio
e durante a viagem houve uma tempestade muito forte assustando a todos.
Então lembrei dos ensinamentos cristãos da minha infância
e rezei pedindo a Deus uma calmaria, o que acabou acontecendo. A tripulação
preferiu entender tratar-se de um milagre. Por causa dessa história,
e mais tarde, ao ser canonizado como São Nicolau, me tornei o
santo padroeiro dos marinheiros.
JS
- São Nicolau ou Bispo Nicolau?
PAPAI NOEL - Depois dessa experiência retomei à cidade
de Mira, onde passei a viver na pobreza, pois já havia doado
toda a minha fortuna. Alguns anos depois, o bispo da cidade morreu e
os anciões, por não conseguir escolher um sucessor, optaram
por colocar a decisão nas mãos de Deus. Naquela mesma
noite, o mais velho do grupo teve um sonho onde o Senhor lhe dizia que
o primeiro homem a entrar. na igreja naquela manhã deveria ser
o escolhido. Como era meu costume acordar cedo e me dirigir a Igreja
para rezar, fui premiado pela profecia do sonho e me sagrei o bispo
mais jovem da história de Mira. Como homem de igreja e com uma
biografia cheia de "milagres" graças a crendice popular,
não foi muito difícil, ao morrer, no dia 06 de dezembro
de 350, ser elevado a categoria de santo. São Nicolau é
hoje um dos santos mais populares do cristianismo. Só em Roma
existem 60 igrejas com meu nome e, na Inglaterra, são mais de
400.
JS
- Fale mais um pouco de sua vida como São Nicolau...
PAPAI NOEL - Além dos marinheiros, também fui escolhido
padroeiro da Rússia e da Grécia. Minha fama de homem generoso
ganhou o mundo e assim passei a ser visto também como milagreiro.
Quer dizer, antes mesmo de me tornar Papai Noel, já era um distribuidor
de presentes. Mas essa fase da minha vida é muito pouco conhecida
e não foi das mais fáceis. Existe até quem acredite,
mesmo entre filósofos e historiadores, que eu nunca existir de
verdade. Mas garanto: seja como Nicolau de Bari ou como Nicolau de Mira,
quem quiser pesquisar irá encontrar registro da minha vida exatamente
entre os séculos III e IV, e das dificuldades pelas quais passei
como cristão. Por acreditar em Deus e fazer o bem, fui preso
e perseguido pelo regime romano.
JS
- Preso?
PAPAI NOEL - Por ser Bispo e exercer uma preocupação pública
com os pobres, e principalmente por ser cristão, fui perseguido,
preso e maltratado em Roma pelo imperador Diocleciano, um inimigo implacável
de quem se dispusesse a seguir os ensinamentos do cristianismo. Ele
governou Roma de 284 a 305 e entre seus muitos feitos pagãos,
tornou obrigatório o culto ao deus Júpiter. Quem me libertou
foi Constantino, o Grande, - Flávio Aurélio Cláudio
Constantino, Imperador de Roma entre os anos 306 a 337. Livre, voltei
a mInha vida de assistência religiosa, sendo um dos signatários
do Primeiro Concílio de Nicéia. Os problemas e as perseguições
diminuíram, mas ainda estavam longe de acabar. Nem mesmo depois
de morto tive paz.
JS
- Não ter paz, nesse caso, significa exatamente o quê?
PAPAI NOEL - Como São Nicolau o registro da minha morte é
06 de dezembro de 350, sendo sepultado num mosteiro da cidade onde exerci
o bispado. Alguns séculos depois, em 1807, Mira foi tomada pelos
Turcos e por isso alguns marinheiros italianos, temendo a profanação
dos corpos, tomaram a iniciativa de levar os meus restos mortais para
a cidade de Bari, na Itália, onde enfim repousam até hoje
na Igreja dos Beneditinos. Esse episódio acabou sendo bom, pois
a minha popularidade se propagou de tal forma em toda a Europa medieval,
que a cidade de Bari transformou-se num dos mais procurados centros
de peregrinação da fé cristã.
JS
- O que vem a ser Concílio de Nicéia?
PAPAI NOEL - Foi o primeiro encontro religioso com características
ecumênicas da história. Aconteceu em 325, convocado pelo
Imperador Dionísio, disposto a frear o avanço de algumas
idéias pagas remanescentes do seu antecessor. Ao final do encontro
foi elaborado um documento que ficou conhecido como "Símbolo
de Nicéia". Era o fim das atrocidades impostas pelo Imperador
Diocleciano e também a condenação pública
do arianismo - heresia do povo ariano (os mais antigos antepassados
da família indu-européia) contra a igualdade das pessoas
da Santíssima Trindade.
JS
- E quanto o nome de Santa Claus?
PAPAI NOEL - Depois da Reforma, com a Europa convertida ao protestantismo,
o culto a São Nicolau diminuiu muito sua intensidade. Mesmo assim,
a minha história foi levada por colonos holandeses à América
do Norte, onde me deram esse nome associado a figura de um velho bondoso
e preocupado com as crianças. Começa então a minha
fase de Papai Noel. Além da tradição, os holandeses
levaram também o dia da minha morte, 06 de dezembro, para ser
a data da grande noite de Natal. Papai Noel, com a cara, o nome, o trenó
e as renas como conhecem hoje, só mesmo a partir do ano de 1831,
quando tudo mudou. A imagem do Bispo com roupas escuras e tristes, deu
lugar a uma figura alegre, bem nutrida, popular e associada as festas
natalinas. Outras histórias recheadas de tradições
também foram escritas pelas culturas holandesa e alemã,
que alternadamente me puseram apelidos como "Sanct Herr Cholas",
"Sinter Claes", "Sinterklass", "Pelze-Nichol"
ou "Sint Nocoloses". Todos esses nomes, mais tarde, foram
anglicanizados para "Santa Claus" por britânicos e americanos.
JS
- O senhor sabe como o mundo lhe chama?
PAPAI NOEL - Nunca havia pensado nisso antes, mas agora, graças
a Internet, pude finalmente reunir umas dezenas deles. Alguns são
difíceis de pronunciar até mesmo para um poliglota como
eu. Mas vamos lá. Na Áustria, me chamam de Christkind,
Niklo; no Azerbajão, Shakhta Babah; na Bélgica, Saint
Nicholas; no Canadá, Santa Claus; na China, Dun Che Lao Ren;
na Costa Rica, EI Nino Jesus; na Dinamarca, Julemanden: na Inaglaterra,
Victorian; na Estonia, Joulovana; na Filandia, Old Man Christimas; na
Suíça, Julgubben; na França, Le Petit Jesus; na
Alemanha, em cada região tenho um nome. Veja alguns: Pelzeicol,
Weinacht, Pelzbock, Hans Muff e Knecht Ruprecht. Entre o povo Hindu,
Ganesha; em Hong Kong, Sing dan lo ian; na Hungria, Karácsony
Apó; na Islandia, Jolasveinn; na Irlanda, Santa Clause; na Itália,
La Befana; no Japão, Santa Kurohshu; na Lapônia, Korvatunturl;
em Latvia, Ziemmassve'tku veci'tis; na Libéria, Black Peter;
na Lituania, Kaledu Senis; no México, EI Nino Jesus; na Holanda,
Sint Nikolass; na Noruega, Pâ norsk; na Palestina, La Befana;
no Peru, Papai Noel; na Polônia, Star Man; em Portugal, Pai Natal;
em Porto Rico, Three Kings; na Rússia, Snegurochka; na Escandinávia,
Juleniss; na Escócia, Santa Clause; na Sicília, St. Lucia;
na Eslovénia, Bozicek; na Espanha, Papai Noel; na Suécia,
Jultomten; na Turquia, St. Nicholars; no Uruguai, Jolly Old Elf; nos
Estados Unidos, Santa Claus; no País de Gales, IIwyd e no Brasil
e nos demais países de língua portuguesa, Papai Noel.
JS
- Quem afinal lhe fez bonachão, barbas brancas e lhe deu esse
um enorme saco para carregar?
PAPAI NOEL - Antes dessa minha aparência linda, minha imagem pública
estava associada à fase de Bispo, o chamado conceito de São
Nicolau. Foi assim durante mais de 1.400 anos, até que por volta
de 1837, o cartunista americano Thomas Nast, com base numa descrição
feita pelo seu compatriota e poeta, Clement Moore, numa canção
de 1822 chamada "Twas the Night Before Christmas", colocou
no papel a minha primeira imagem. Para quem já havia sido chamado
até de Elfo, o traço de Nast seria primoroso: um gnomo
alegre, gorducho, pintado de verde, com longas barbas e cabelos extremamente
brancos. Foi um sucesso. Dez anos depois já era capa da revista
"Harper's Weekly", onde permaneci até meados do ano
de 1886. No final do século XIX, nenhuma festa ou celebração
natalina aconteceria sem que eu estivesse presente. Era o início
da minha fase comercial e por causa disso fui - e ainda sou - duramente
criticado pelos religiosos mais radicais.
JS
- O cartão de Natal é dessa época?
PAPAI NOEL - Exatamente. Em 1886, uma das maiores empresas gráficas
de Bostorn, a "Louis Prang", foi quem primeiro no mundo lançou
um cartão de Natal. Foi a primeira vez também que alguém
me vestiu de vermelho. Essa cor passou a significar o espírito
alegre do Natal em todas as casas onde se festejasse o nascimento do
Menino Jesus. A partir desse cartão e do desenho de Last, minha
imagem passou a receber contribuições de diversos artistas,
até que, em 1931, o desenhista americano e publicitário
Haddon Sundblom, contratado para essa missão pela "The Coca-Cola
Company", me deu forma humana, chegando a essa perfeição
visual que sou hoje. A cor vermelha usada de forma pioneira no cartão,
que já era marca de todas as peças publicitárias
da empresa, foi mantida.
JS
- O Senhor sabe alguma coisa desse seu, digamos, último "criador"?
PAPAI NOEL - Haddon Sudblom nasceu em Michigan, cresceu em Chicago e
tornou-se uma lenda na indústria da propaganda americana. Dirigiu
seu próprio estúdio por mais de 20 anos, onde ajudou a
fortalecer a carreira de vários jovens artistas. A Coca-Cola
foi um de seus primeiros clientes. Os anúncios com o Noel de
Sundblom - como passaram a se chamar a série com a minha imagem
definitiva - apareceram primeiro no jornal "Saturday Evening Post"
e mais tarde em outras publicações de grande conceito
nos Estados Unidos, como "Ladies Home Journal" e "National
Geographic".
JS
- Houve algum tipo de inspiração, um modelo para se fazer
alguém tão bonito?
PAPAI NOEL - Oh! Oh! Oh!, muito obrigado! O rosto original usado por
Sundblom foi de um vendedor aposentado com o nome de Lou Prentice. Quando
ele morreu, um amigo de Sundblom sugeriu que não haveria melhor
sucessor para a criação como o próprio artista
que a criara. Curiosamente, com o tempo, os traços nórdicos
do rosto de Sundblom acabaram se aproximando aos meus. O último
retrato de Papai Noel pintado por ele foi em 1966, 10 anos antes de
sua morte. Desde então, a minha imagem associada à Coca-Cola
não foi mais modificada. Ainda hoje a empresa reproduz - sem
me pagar nada por isso - a clássica série de Sundblom
em seus comerciais e nas embalagens festivas de final de ano.
JS
- Onde afinal é a casa de Papai Noel?
PAPAI NOEL - Minha casa é o mundo, principalmente durante o Natal
quando estou em todas os lares distribuindo presentes. Para correspondência
e também para decansar nos meses de intervalo dessa que é
a mais linda de todas as festas, meu endereço é a longínqua
Korvatunturi (Colina da Orelha), na Lapônia, Norte da Finlândia.
Meu outro endereço é Arctic Circle, SF 96930 - ROVANIEMI
- FILÂNDIA. Para quem não sabe, Rovaniemi é a capital
da região da Lapônia, no Círculo Polar Ártico.
Nesses lugares, passo 11 meses observando e ouvindo tudo que as crianças
fazem durante o ano. Antes eu fazia como a deusa escandinava Herta que
só dava presente aos meninos que se comportassem bem. Aos outros,
como forma de castigo, Ihes dava feixes de varas verdes. Hoje não
sou mais assim. Estou muito mais bonzinho e dou presentes a todos.
JS
- Explique a história desse seu trenó...
PAPAI NOEL - A minha imagem foi evoluindo com o passar dos anos e muitos
países contribuíram para essa aparência atual. O
trenó, assim como as renas voadoras, vieram de lendas e tradições
comuns na Escandinávia. Outros países de clima frio adicionaram
peles curtas à minha roupa e atribuíram meu endereço
como sendo o Pólo Norte. A imagem da chaminé pela qual
eu entro nas casas, assim como este pequeno cachimbo são inspiradas
em lendas surgidas na Holanda e Noruega, como a da deusa Herta, por
exemplo.
JS
- Quantos renas existem hoje naquela região?
PAPAI NOEL - São tantas que não consgo contar. Mas dotada
de poderes excepcionais de cruzar o universo em razão de segundos,
mágicas e lindas como elas, só existem as minhas em todo
mundo. São oito no total e a cada uma dei um nome em inglês:
Eu as chamo carinhosamente de Dasher, Dancer, Prancer, Vixen, Comet,
Cupid, Donder e Blitze.
JS
- O senhor se considera um instrumento de marketing?
PAPAI NOEL - O Papai Noel distribuidor de presentes tem suas origens
nas boas ações de São Nicolau, inspirado nos três
Reis Magos do Oriente. Contos sobre meus feitos sempre existiram, mas
não posso negar que ganharam o mundo depois dessa explosão
comercial e dessa política de divulgação que vocês
chamam de marketing. Em alguns continentes, como o Europeu por exemplo,
o hábito de se trocar presentes foi criado muito antes da minha
fase de Noel, e em outra data: 6 de dezembro. O uso da minha imagem
em produtos e nas campanhas de vendas, apesar das críticas, me
parece normal. É livre para todos. Não cobro nada por
isso. Viajo o mundo e ainda me divirto.
JS
- Quem nasceu primeiro? O senhor ou o Natal?
PAPAI NOEL - Como Papai Noel ainda sou criança se comparado com
a tradição do Natal. Os cristãos substituíram
a antiga festa do sol romana (solstício) de inverno pela do Natal,
de forte tradição familiar e associada à festa
do Ano Novo. O Natal cristão é celebrada no dia 25 de
dezembro, em comemoração ao nascimento de Jesus Cristo,
mas essa data nunca foi uma unanimidade. De acordo com um antigo almanaque,
a festa já era celebrada em Roma desde o ano 336 e sempre no
início de janeiro. Na parte oriental do Império Romano,
comemorava-se em 6 de janeiro tanto o nascimento de Cristo quanto seu
batismo. No século IV, as igrejas orientais passaram a adotar
o dia 25 de dezembro para o Natal, e o 6 de janeiro para a Epifania
(palavra de origem grega que significa a manifestação
da divindade a seus fiéis) e o dia de Reis. Já na Igreja
Ortodoxa Russa, ao contrário das demais orientadas pelo Papa,
a data do nascimento de Cristo continua sendo até hoje o 6 de
janeiro.
JS
- Essa questão não lhe parece bastante complicada?
PAPAI NOEL - O nosso calendário atual teve origem no Imperador
Dionísio (aquele que me libertou da prisão por ordem de
Diocleciano, quando ainda era São Nicolau, lembra?) que deu o
nascimento de Cristo no mesmo ano da fundação de Roma:
754. Esse seria portanto o primeiro ano da nossa era. Porém,
Josefo, um historiador de grande conceito junto a pesquisadores e teólogos
relaciona o nascimento de Jesus com a morte do grande ,Imperador Herodes,
falecido pouco antes da Páscoa, no ano 750. Nesse caso, a data
correta seria 12 de abril.
JS
- Mas é certo que alguém instituiu o dia 25 de dezembro
como sendo o dia de Natal...
PAPAI NOEL - A festa de Natal foi instituída oficialmente pelo
bispo romano Libério, no ano 354. Na verdade, o uso do 25 de
dezembro não se deve a um estrito aniversário cronológico,
mas também à substituição, com motivos cristãos,
das antigas festas pagãs. A primeira destas celebrações
a ser cristianizadas foi a festa "Mitráica", uma das
manifestações mais populares da religião Persa.
Eles festejavam o Natalis Invict Solis, que quer dizer o nascimento
do vitorioso sol. Havia também várias outras festividades
pagãs decorrente do solstício de inverno, quando o astro
rei começa a se reaproximar da terra fazendo com que os dias
comecem a ficar mais longos. Uma dessas manifestações
de maior prestígio em Roma era as Saturnálias, comemorada
no dia 17 de dezembro. Nelas eram permitidos grandes excessos, troca
de presentes, culto a Baco, deus dos vinho, e um direito impensável
para os escravos em outras datas: assentar-se à mesa com os senhores
e dela usufruíam sem qualquer tipo de restrições.
JS
- A Bíblia, em dois momentos, fala dessa luz, mas nunca cita
o sol...
PAPAI NOEL - As alusões dos padres da igreja e do Evangelho ao
simbolismo de Cristo como sol de justiça (Malaquias 4:2) e luz
do mundo (João 8:12), se referindo a Jesus Cristo, e as primeiras
celebrações da festa na colina vaticana - local onde os
pagãos tributavam homenagem às divindades do Oriente -
expressam o sincretismo da festividade, de acordo com as medidas de
assimilação religiosa adotadas por Constantino e referendadas
pelo Concílio de Nicéia. Antes, o dia 25 de dezembro era
tido também como o do nascimento do misterioso deus iraniano
Mitra, o sol da virtude. No ano novo romano, comemorado em 1° de
janeiro, havia o hábito de enfeitar as casas com folhagens e
dar presentes às crianças e aos pobres. Acrescentaram-se
a esses costumes os ritos natalinos germânicos e célticos,
levados pelas tribos teutônicas após invadirem a Gália,
a Grã-Bretanha e a Europa central. A acha de lenha, o bolo de
Natal, as folhagens, o pinheiro, os presentes e as saudações
comemoram diferentes aspectos dessa festividade.
JS
- Havia outras opções de datas para o Natal?
PAPAI NOEL - Na verdade existia uma pluralidade de datas e o tema virou
discussão entre os eclesiásticos da época que não
chegavam a um acordo sobre qual o verdadeiro dia para se comemorar o
Natal. Muitas eram as opções: 2 de janeiro, 6 de janeiro,
25 de março, 18 de abril, 19 de abril, 20 de maio e 25 de dezembro.
Esta última apareceu pela primeira vez no calendário de
Philocalus, no ano de 354. Somente nos dias do antipapa Hipólito,
Bispo de Roma, Pontífice de 217 a 235, que encontramos a primeira
evidência histórica da celebração do dia
do nascimento de Cristo. Para uns, a data a ser escolhida deveria ser
2 de janeiro. Outros, no entanto, queriam o dia 6 por entender ser esse
o dia do batismo de Jesus por João Batista, Ou seja: o seu verdadeiro
nascimento espiritual. Finalmente, no ano 354, o Bispo romano Libério
pois fim a questão e instituiu oficialmente, em nome da Igreja,
o dia 25 de dezembro como sendo o do Natal e do nascimento de Cristo.
JS
- A troca de datas foi tranqüila ou houve algum tipo de rejeição?
PAPAI NOEL - O 25 de dezembro não significou para o mundo apenas
o nascimento de Cristo, mas serviu também de parâmetro
para a cronologia do ocidente, pois marca o ano 1 da nossa história.
Mesmo assim, no ano 245, muitas foram às vozes contrárias
ao que chamaram de oportunismo dos cristãos em usar o prestígio
da festa do sol como referência para o nascimento de Jesus. Alguns
teólogos mais radicais, como o grego Orígenes, considerado
por muitos como o Pai da Igreja, condenou veementemente a idéia
de se comemorar o dia do nascimento de Cristo, um judeu - como se ele
fosse um Faraó. No final do século III e início
do século IV, a Igreja finalmente consegue a cristianização
das grandes festas pagãs ainda remanescentes. Ai estão
incluídas todas as demais decorrentes do solstício de
inverno, como as satunálias, em Roma, e os cultos solares entre
os Celtas e os Germânicos. A nova postura religiosa se tornou
vitoriosa diante das demais, exatamente por trocar o culto às
árvores e aos animais pela promessa de um Deus vivo, único,
e com poderes para resolver todos os males da humanidade em qualquer
tempo. A idéia central da festa de Natal – pagã
ou não - revela claramente esta origem.
JS
- A simbologia da luz também foi levada em consideração?
PAPAI NOEL - Nada na história da Igreja acontece por acaso. Todos
sabiam da fé pagã que acreditava ser a noite do dia 25
de dezembro a mais longa de todo ano. Isso explica a oferta de sacrifícios
ao Deus Sol que, agradecido, nasceria de novo no dia seguinte proporcionando
assim a volta da luz. A Igreja se aproveitou bem dessa simbologia e
simplesmente trocou o sol pela figura de um menino. Deu-lhe o título
de Rei - como assim também era chamado o astro - e passou a anuncia-lo
como a luz que iluminaria o mundo não apenas na manhã
seguinte, mas para todo o sempre. A luz - seja com o sol, lua, estrelas
ou com o menino Deus - foi e continuará sendo um dos principais
símbolos do Natal.
JS
- Por falar em símbolos, temos algumas dúvidas sobre suas
origens. Vamos tentar esclarecer algumas. Os pinheiros? A árvore
de Natal?
PAPAI NOEL - Nem mesmo eu sei dizer ao certo quando surgiu a árvore
de Natal. Mas ao longo da história ela foi incorporada aos hábitos
de vários povos, embora muitas sejam as lendas que tentam explicar
sua origem. A mais conhecida tem cerca de 1.200 anos e conta que um
inglês chamado Wilfried, viajando pelo norte da Alemanha, encontrou
um grupo de sacerdotes (duidas), prestes a sacrificar um jovem príncipe
de nome Astolfo. O local escolhido seria o carvalho sagrado de Odin,
pai de Thor, o mais importante deus da mitologia germânica. Wilfried
então interrompeu o sacrifício, cortou a árvore
sagrada, e em seu lugar, surgiu um lindo pinheiro tão sagrado
quanto aquele que lhe dera origem. Não demorou muito, os alemães
começaram a levar para suas casas, no Natal, mudas de pinheiros
e ornamenta-las com frutas simbolizando fartura para o ano todo. Na
Roma antiga já se pendurava máscaras de Baco, o deus do
vinho, em pinheiros para comemorar a "Saturnália".
Na Alemanha, o padre Martinho Lutero (14831546), autor da Reforma protestante,
montou um pinheiro enfeitado com velas em sua casa. O objetivo era mostrar
às crianças como deveria ser o céu na noite do
nascimento de Jesus Cristo.
JS
- E o presépio?
PAPAI NOEL - A tradição atribui a criação
do presépio a uma reconstituição do nascimento
de Jesus Cristo feita em 1223 por São Francisco de Assis, em
Greccio, na Itália. Mas essa representação já
era conhecida desde o século IV. Em sua origem, existe um termo
hebraico traduzido como praesepium, designando a manjedoura, os animais
ou o próprio estábulo. Os presépios representam
o nascimento e adoração do menino Jesus em Belém.
Nossa Senhora, São José, anjos, pastores e animais à
volta do recém-nascido, são as principais figuras do conjunto,
no qual aparecem também os reis magos carregando seus presentes.
Freiras portuguesas, na cidade de Lisboa, já montavam o cenário
desde o ano de 1391. Aproximadamente no século XVI, a simbologia
do presépio passou a ser dramatizada com danças e cantos
populares. No Brasil, o presépio foi introduzido no início
do século XVII, na cidade pernambucana de Olinda, pelo frei franciscano
Gaspar de Santo Agostinho. Em todo o mundo, os presépios são
montados no início do mês de dezembro mas não recebem
a figura do menino Jesus até o dia de Natal. É o período
conhecido como "advento", quando os cristão se preparam
- com orações, penitências e até jejum -
para a chegada daquele escolhido por Deus como redentor do mundo.
JS
- A Missa do Galo?
PAPAI NOEL - Assim como o presépio, São Francisco de Assis
também acabou contribuindo para a expressão "Missa
do Galo". Ele reunia as pessoas em volta do presépio e celebrava
uma missa a meia noite, hora do nascimento de Cristo segundo a tradição.
Como os galos cantavam habitualmente as primeiras horas do dia e a missa
sempre avançava madrugada adentro, o povo deu a essa celebração
o nome de Missa do Galo.
JS
- E a música "Noite Feliz" é uma das mais executadas
do mundo. O Senhor sabe como ela surgiu?
PAPAI NOEL - Essa é a canção mais popular da noite
Natal e só perde em execução para o "parabéns
a você". Ela nasceu na Áustria, em 1818. Ali, numa
cidade chamada Arnsrdof, ratos entraram no órgão da única
igreja do lugar e roeram os foles. Preocupado com a possibilidade de
uma noite de Natal sem música, o padre Joseph Mohr saiu atrás
de um instrumento que pudesse substituir o órgão danificado.
Em sua peregrinação e andanças em busca de uma
alternativa musical para àquela noite especial, começou
a imaginar como teria sido na cidade de Belém, no dia do Nascimento.
Fez então várias anotações e procurou o
músico Franz Gruber responsável pela criação
desta que é uma das melodias mais bonita e mais conhecidas de
todo o mundo.
JS
- O Senhor é muito barrigudo. Isso tem a alguma coisa a ver com
o fato de se comer tanto no Natal?
PAPAI NOEL - Talvez. Visito muitas casas nesse período e na maioria
delas encontro fartura na mesa. Por isso acabo provando um bacalhau
na Noruega, um peru no Brasil, um caldo verde em Portugal, um arroz
de polvo na Dinamarca, uma torta de nozes nos Estados Unidos, um coelho
frito na Inglaterra, uma sopa de lentilhas na Argentina, um cabrito
estonado na Espanha, broas e rabanadas na Alemanha, torta de figos no
Japão e uma série de outras guloseimas espalhadas por
esse mundo de incontáveis tradições culinárias.
JS
- Alguns estudiosos da física acham impossível Papai Noel
está ao mesmo tempo em tantos lugares e dizem até que
o Senhor não existe...
PAPAI NOEL - Eu conheço bem essa história e até
teriam razão se a minha física obedecesse a deles. Não
é bem assim. Minhas renas são mágicas e podem se
deslocar de um lugar a outro do planeta num piscar de olhos. Além
disso, embora sendo único, tenho milhões, bilhões
de outros pais que dividem comigo essa tarefa nobre de distribuir presentes
e fazer a alegria das crianças. Tem sido assim há mais
de meio milhão de anos e assim será por toda eternidade.
JS
- No mundo de hoje o Senhor teria uma mensagem também aos adultos?
PAPAI NOEL - O Natal é verdadeiramente o maior de todos os símbolos
representativos do nascimento de Jesus Cristo, filho de Deus, que nasceu
para seguir um plano. Um plano no qual Ele é oferecido em sacrifício
para morrer na cruz para que fossemos perdoados. Na época de
Jesus Cristo, quem tivesse pecado e quisesse ficar livre deles tinha
que oferecer um cordeiro em forma de sacrifício. Para Deus e
para a humanidade, Cristo é o cordeiro sem pecado e sua morte
serviu para limpar as faltas de homens e mulheres de boa vontade. A
simbologia do Natal com suas árvores coloridas, os presentes,
eu, os presépios e a figura central do Menino Jesus, são
elementos de tradição e fé para serem absorvidos
como símbolos da paz. O amor paternal, a fraternidade entre os
povos, a solidariedade de amigos, de familiares, e até mesmo
o perdão de inimigos, significa etapas de um emaranhado plano
de Deus em busca da vida eterna e da paz entre os povos.
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