AUGUSTO
PELLEGRINI FILHO
Professor, empresário
e ex-Superintendente
de Compras da Alcoa.
Por Carlos Andrade, da Redação
Entrevista publicada no Jornal da Soamar, nº
108, em sua edição do mês de julho do ano
de 2000.
“No dia 16 de
agosto de 1984 eu estava no canteiro de obras, de camisa manga
comprida, esperando a banda passar...”
Paulista de nascimento, Augusto Pellegrini Filho, nasceu
em São Paulo - Capital, no dia 17 de fevereiro de 1940.
Aos 60 anos, esse são paulino convicto é uma dessas
pessoas que nunca passa incólumes pelos lugares, pelas
pessoas e pelas empresas. É formado em Ciências
Econômicas, Publicidade e Radialismo, mas dedicou a sua
vida profissional à administração de materiais,
de pessoas e, como lazer, às artes literárias.
Trabalhou na Alcoa, antes e depois dela se transformar em Alumar.
Primeiro como Superintendente de Compras, depois, como Relações
Públicas. Ao deixar a Alcoa foi ser diretor do Sistema
Mirante e hoje divide seu tempo com poesia, literatura, alunos
do ICBEU onde é professor de inglês - e com uma
pequena empresa da área de prestação de
serviços.
Ainda em São Paulo, aos 30 anos, entrou para o quadro
da Alcoa, então chamada de Alcominas. Antes, passou pelas
empresas americanas Arthur G. McKee e Bechtel e, voltou para
a Alcoa onde iria enfrentar o maior de todos os seus desafios:
aceitar ou não trabalhar em São Luís -
a mais de dois mil quilômetros de sua sala - onde a sua
empresa iria construir uma fábrica de alumínio
e alumina.
Neto de italiano, o lado viajante só ajudou naquela
que seria a mais importante decisão de sua vida: deixar
São Paulo - num percurso inverso dos retirantes - para
ser o Superintendente de Compras da Alcoa numa até então
desconhecida cidade chamada São Luís. Tudo vale
a pena quando a causa não é pequena, diria o poeta.
E nesse caso, não era. A obra, lhe disseram, iria custar
1,3 bilhão de bilhão de dólares. Se tudo
que ouvira falar da capital maranhense até então
teria sido as palmeiras onde cantam os sabiás, de Gonçalves
Dias, não foram exatamente as verdinhas que o fizeram
aceitar tão radical mudança.
Por isso ele é o nosso entrevistado. Foram dele
as primeiras pegadas na área da fábrica. Ele sabe
como e onde tudo começou. Onde cada uma das peças
fora comprada, desde um simples parafuso até um super
digestor, ou uma caldeira, por exemplo. É essa história
- e muitas outras que iremos saber agora...
JORNAL DA SOAMAR - Quando o Senhor começou na Alcoa,
como isso aconteceu e quais foram seus empregos anteriores?
PELLEGRINI - Comecei minha vida profissional como desenhista
técnico, trabalhando para um pequeno escritório
de engenharia. Em 1962 consegui ser admitido pela Cosipa, ainda
em fase de construção, trabalhando como desenhista
e depois como assistente administrativo, onde fiquei até
1969. Passei um ano na Gráfica S.A.I.B., do grupo Abril,
como trainee, e depois trabalhei em duas empresas americanas
de projetos, a Arthur G.McKee e a Bechtel, com uma passagem
rápida pela Alcominas, sempre como diligenciador e inspetor
de equipamentos. Retomei à Alcominas (Alcoa) em 1974,
para o setor de compras, e, em 1980 fui convidado a fazer parte
do importante projeto de construção da fábrica
de alumínio e alumina em São Luís do Maranhão.
É que na Alcoa de São Paulo eu fazia parte do
grupo especializado em construção - executivos
de alto nível que eram assediados por diversas outras
empresas. Só para ilustrar: Um pouco antes de me decidir
por São Luís, havia sido convidado pelo diretor
presidente da Samarco para fazer parte do time dele em Belo
Horizonte. Não fui para não ficar longe da minha
cidade. Veja só...
JS - A palavra Maranhão
e a sigla Alumar foram ouvidas pela primeira vez quando?
PELLEGRINI - É claro que eu já conhecia o Maranhão,
porém somente através dos livros de geografia.
Sabia que a capital era São Luís, mas não
conhecia os detalhes da sua arquitetura e das suas tradições
históricas, O Maranhão, para mim, era apenas mais
um estado brasileiro do Norte-Nordeste, sem nenhuma identificação
especial. No entanto, quando eu soube que viria para cá,
abracei enciclopédias e livros, e procurei consultar
pessoas originárias do Maranhão, ou que já
haviam conhecido o pedaço. Conheci as praias de Araçagy
e do Olho d'Água, e os clubes Lítero e Jaguarema,
antes de colocar os pés aqui... Já a palavra Alumar
apareceu pela primeira vez durante a construção,
quando foi firmado o consórcio entre a Alcoa e a Billiton.
JS - A sua transferência
tinha prazo e data para terminar, ou começou como aquelas
aventuras onde todo o depois é uma incógnita?
PELLEGRINI - O plano de transferência previa um período
de quatro anos, exatamente o prazo estipulado pelo cronograma
da obra. Contudo, ao se aproximar o final do quarto ano, já
se percebia claramente que a volta para São Paulo seria
complicada tanto para mim como para a empresa. Eu já
havia fixado raízes, a família já se havia
habituado com a vida na ilha, os filhos estavam indo bem na
escola, e a empresa, que havia paralisado momentaneamente a
tarefa de construir, não acharia com facilidade um lugar
para mim dentro da sua administração central.
O que havia iniciado como uma aventura pioneira já se
sedimentava numa realidade operacional.
JS - Qual a definição
que lhe fora dada pelos seus superiores do projeto ainda em
São Paulo? Já se falava em consórcio?
PELLEGRINI- É interessante que o meu
chefe, Sr. Werner Lukas, havia formalizado o convite durante
um almoço oportunamente arranjado, só que, ao
invés de São Luís, ele falou em Carajás.
É claro que eu tremi na base. Depois fiquei sabendo que
o local seria efetivamente a capital maranhense, e respirei
aliviado, o que ajudou a minha tomada de decisão. Até
hoje tenho a impressão de que o erro do Sr. Lukas foi
proposital, para influir no meu estado de ânimo. Fui informado
que seria promovido e que teria muito trabalho sob a minha inteira
responsabilidade, que aqui em São Luís eu estaria
representando o nome da Alcoa, e coisa e tal. Aceitei o desafio,
e acho que não decepcionei. Ajudei a elevar o nome da
empresa e, graças a Deus, consegui fazer c meu nome ser
respeitado também. Quanto ao consórcio, eu não
sei dizer se já havia na época algum entendimento
entre Alcoa e Billiton, pois normalmente estas parcerias se
fazem na cúpula das empresas, com o conhecimento de apenas
umas poucas pessoas. Eu nunca ouvira falar antes em consórcio
até o dia em que ele foi oficialmente divulgado.
JS - Quem mandava na Alcoa no
ano de 1980?
PELLEGRINI- O presidente da Alcoa no Brasil era o Sr. Alain
Belda, que hoje ocupa um cargo muito mais importante em Pittsburgh,
EUA. As grandes decisões, é claro, eram tomadas
nos Estados Unidos, e o presidente da Alcoa Internacional, na
época, era Mr. Patterson. O responsável técnico
pela obra em São Luís. foi Tom Sheffield, que
no entanto dividia o seu tempo entre o canteiro e o escritório
de engenharia, em São Paulo. O chefão aqui era
Bob Dutcher, uma grande figura.
JS - O Senhor trabalhou em Poços
de Caldas? Em que função?
PELLEGRINI - No tempo em que trabalhava no escritório
de compras em São Paulo, eu visitava constantemente a
fábrica de Poços de Caldas, basicamente a fábrica
de pó de alumínio, que estava em construção,
para saber sobre os problemas de materiais e equipamentos. Eu
era na época o supervisor do grupo de Expediting e Inspeção,
o que significa acompanhar o processo de fabricação,
inspeção e entrega de materiais e de equipamentos
desde que o pedido de compras é assinado pelo comprador
até que o material ou equipamento seja aceito na obra.
JS - A sua primeira missão
envolvendo o projeto Alumar, qual foi?
PELLEGRINI - Ao chegar em São Luís, na companhia
do responsável pela área financeira, Tiniti Matsu
Moto, tivemos como primeira missão encontrar uma casa
que funcionasse como sede (alugamos um excelente imóvel
na Jordoa), equipar o escritório com móveis, telefones,
etc., contratar as primeiras pessoas, e fazer visitas a fornecedores
potenciais, preparando assim um cadastro que nos permitisse
comprar os insumos diretamente em São Luís.
JS - Como e quando aconteceu
sua transferência e quantos vieram nessa época?
PELLEGRINI - Cheguei em São Luís na madrugada
do dia 30 de julho de 1980, e no mesmo vôo chegou o Tiniti.
Alguns dias depois chegaram Amir Curcio, responsável
pelo almoxarifado, João Batista Andrade, da contabilidade,
e Fernando Pires, da área de recursos humanos, todos
originários de Poços de Caldas. Fomos os primeiros
a chegar para a construção da obra. Antes, porém,
já haviam estado por aqui Tom Sheffield, Werner Lukas
e Soichi Koza, para estabelecer os primeiros contatos com os
órgãos do governo e com a CDI - Companhia de Desenvolvimento
Industrial do Maranhão.
JS - Fale da sua chegada - e
da sua impressão - na cidade, na fábrica, no hotel...
PELLEGRIN I- O táxi que apanhamos no Aeroporto do Tirirical
nos levou ao Hotel Quatro Rodas fazendo o trajeto pelo bairro
do Turu. Como naquele tempo o São Cristóvão
era mal iluminado e carente de casas comerciais, achei bastante
estranho ter que me defrontar com uma total escuridão
durante toda a viagem até o hotel. "Onde fica a
cidade?", perguntei ao motorista, que explicou que ficava
em outra direção. No dia seguinte saímos
para conhecer o centro, e ficamos tão fascinados pela
sua beleza histórica que nos mudamos para o Hotel Vila
Rica. No Vila Rica, recém construído, fomos tratados
como membros da família. O gerente geral, Sr. Farouk,
colocou todas as conveniências do hotel à nossa
disposição, o que foi fundamental para o sucesso
da nossa operação, porque chegamos a ser alvo
de represálias por parte de grupos que não queriam
a nossa presença na ilha. Nós chegamos a ficar
"exilados e protegidos" como se o hotel fosse uma
embaixada. Com respeito à fábrica, o que nós
vimos em primeira instância foi um montão de verde
e alguns moradores vivendo primitivamente, como se estivessem
há séculos e a milhares de quilômetros da
civilização.
JS - Alguém da equipe
- gringo ou não - teve uma crise, quis ir embora, achou
que aqui só tinha índios, ou coisa parecida?
PELLEGRINI - Não me recordo de que alguém tenha
tido um chilique... Talvez alguém não tenha gostado
e tenha resolvido às escondidas o seu problema com a
direção da empresa, mas eu duvido. Todos os que
aqui chegaram estavam imbuídos de um espírito
de pioneirismo que eu nunca vi igual, e dispostos a enfrentar
não só a batalha do dia a dia como também
a turba que, naquele início de tudo, nos molestava.
JS - Muito bem. O Senhor está
no hotel, já conhece a cidade e precisa trabalhar. Como
foi o seu primeiro dia de trabalho em São Luís?
PELLEGRINI - Consultei a lista telefônica e preparei uma
relação de possíveis fornecedores dos mais
diversos itens - material elétrico, material de escritório,
ferragens, papelarias - e depois saí por aí a
conhecer o potencial das lojas. Tiniti fez o mesmo com os bancos.
Nós fomos à Maratur à cata de informações
sobre a cidade, mas eles não tinham muita coisa para
oferecer. Fomos atendidos por uma funcionária, de nome
Estela, que achou extremamente curioso dois turistas sui-generis
- um brasileiro gorducho e de óculos e um japonês
com máquina fotográfica a tiracolo - estarem tão
interessados nas questões econômicas e financeiras
do estado.
JS - Qual a estrutura de comunicação
entre São Luís e São Paulo naquele ano?
PELLEGRINI - No princípio era o verbo ... falado ao telefone
do hotel e depois do escritório. Quando montamos nosso
escritório no canteiro de obras, consegui com o Manoel
Pereira dos Santos a instalação do primeiro aparelho
de fax do estado do Maranhão, chamado de Nefax, porque
havia sido construído pela NEC. O trambolho era super
lento - levava de três a cinco minutos para passar uma
página de mensagem, mas foi de muita valia para trocarmos
documentos com São Paulo, com Poços de Caldas,
e com Pittsburgh. Quem participou comigo desta empreitada foi
José Pinheiro Marques, o primeiro engenheiro maranhense
a ser contratado pela Alcoa. Atualmente ele é o presidente
do CREA-MA.
JS - O que já existia
na área quando da sua primeira visita?
PELLEGRINI - Na área da fábrica somente existia
o verde nativo e alguns moradores. Lembro-me de ter ido de jeep
com Bob Dutcher pelos caminhos tortuosos da mata, até
que alcançamos um platô que depois foi desbastado,
local onde atualmente é o prédio do Almoxarifado.
Bob desdobrou uma planta heliográfica e ficou a apontar
para um lado e para o outro como um profeta: ali vai ser a Refinaria,
ali vai ser a Redução. Somente alguns dias depois
é que conseguimos chegar a um pitoresco lugar que viria
a ser o porto. Lá havia um ancoradouro de pedra, uma
ou duas canoas aportadas, e algumas pessoas que nos olhavam
como se nós fôssemos assim uma espécie de
"sahib". Na volta, quando nos deliciamos com cajus,
mangas e carambolas que abundavam pelos caminhos, senti uma
pontada de remorso - ou seria orgulho? - ao saber que logo mais
todo aquele paraíso iria se transformar na maior máquina
alavancadora do sucesso do Maranhão.
JS - O senhor lembra o que foi
comprado primeiro - e de quem - para a fábrica da Alumar?
PELLEGRINI - O primeiro material comprado foi uma centena de
cartões de visita em caráter de urgência
para Soichi Koza, que estaria em São Luís no dia
seguinte, para daqui zarpar para Carajás e para os Estados
Unidos. Visitei uma ou duas gráficas que não quiseram
atender o nosso pedido de urgência. Fui então à
Gráfica São Luís, cujo gerente deu as mesmas
desculpas. No entanto, o proprietário, Luís Carlos
Alencar Pontes, apareceu no momento e farejou que se tratava
de uma venda importante, apesar de resumida a míseros
cem cartões. Luís Carlos nos atendeu, deu prioridade
ao pedido e nos entregou a "mercadoria" ainda no mesmo
dia. Em troca, a Gráfica São Luís foi,
durante muito tempo, o fornecedor oficial de impressos para
a Alcoa.
JS - Como eram decididas essas
compras?
PELLEGRINI - As compras de equipamentos e de materiais que requeriam
especificações técnicas rigorosas eram
decididas nos Estados Unidos (no caso de transformadores, pontes
rolantes, etc.), ou em São Paulo. O material de consumo
básico, tipo papelaria, ferragens, móveis e utensílios
diversos, eram decididos por mim em São Luís,
com devido conhecimento do Gerente de Materiais, Tom Snyder.
Eu tinha a meu serviço uma equipe de compradores que
faziam as cotações, e todo os demais processo
que resultassem em compras.
JS - No caso de um material básico
como cimento, o senhor tem idéia do tamanho dos lotes
de cada compra?
PELLEGRINI - Não faço idéia, muito embora
talvez não seja difícil de se descobrir. Geralmente
costuma-se fazer comparações, tipo "o cimento
gasto aqui na obra daria para se construir cinco Maracanãs.
No caso da Alumar não acredito que alguém tenha
feito tal comparativo. Posso garantir uma coisa: foram toneladas
de cimento e estruturas de aço, centenas de quilômetros
de correias transportadoras, e outras barbaridades do gênero.
JS – Quando o Senhor chegou
tudo que era comprado era pago aqui mesmo ou não?
PELLEGRINI – No princípio, o Tinith Maksumoto era
o homem do dinheiro. Uma conta fora aberto em seu nome no banco
de Crédito Real de Minas Gerais e por ela eram feitos
os pagamentos. Todos a vista. Somente algum tempo depois é
que se estabeleceu o sistema de faturamento. De qualquer maneira,
o que era comprado aqui era pago aqui.
JS – Uma compra complicada?
PELLEGRINI – A compra mais complicada e fantástica
foi a que eu e José Pinheiro Marques fizemos com respeito
ao primeiro sistema de rádio-telefone que foi comprado
para a fábrica. Visitamos diversas indústrias,
analisamos um sem número de propostas, nos familiarizamos
com todo tipo de literatura, e finalmente nos decidimos a comprar
todo conjunto de centrais multiplex, modems e o diabo. O interessante
disso tudo é que nenhum de nós tinha qualquer
familiaridade com telefonia, mas nos deram essa incumbência
e o negócio funcionou.
JS – O que o Senhor comprou
de mais caro e de mais barato?
PELLEGRINI – Não me lembro exatamente o que foi
comprado de mais caro. O de mais barato, é claro, foram
os cartões de visita do Soichi.
JS – Muito bem, vamos falar
do início de tudo. Lá pelo primeiro ano, tudo
engrenado, como era essa rotina. A sua e da fábrica?
PELLEGRINI – No início a gente trabalhava desde
de manhã cedinho até tarde da noite. Depois, que
ninguém é de ferro, parávamos em algum
bar ou restaurante para comermos alguma coisa e para tomar umas
cervejinhas. Depois que a minha família chegou, em setembro
de 1980, o trabalho continuou no mesmo ritmo, mas as cervejinhas
diminuíram um pouco. Na fábrica, era um frenesi
constante, mas a cada dia vinha a constatação
de que o esforço havia sido recompensado pelo progresso
da obra.
JS – No canteiro de obras,
quem mandava em tudo?
PELLEGRINI – O primeiro chefe foi Bob Dudcher. Depois
dele veio Sam Devall. Mas cada parte da obra tinha o seu responsável,
com Tom Sheffielld, John Kapustay e outros.
JS – Para vocês,
da Alcoa, a entrada da Billiton – um ano depois de iniciada
a construção – mudou alguma coisa?
PELLEGRINI – Houve na verdade uma pontinha de ressentimento
por saber que estaríamos repartindo nosso trabalho com
uma outra empresa. Mas com certeza a entrada da Billiton foi
importante, não apenas pelo aporte de capital, como também
pela sua vasta experiência em obras portuárias,
o que ajudou muito na construção do porto, com
toda complicação como o assoreamento e as marés
constantes.
JS – Como era a relação
dos americanos com os trabalhadores brasileiros?
PELLEGRINI – Bastante amistosa, como normalmente ocorre
em obras de construção desse porte.
JS – É possível
identificar um momento crítico nos quatro anos de construção?
PELLEGRINI – O único momento crítico foram
os primeiros meses, mas não foi nada com relação
a obra. É que o Comitê de Defesa da Ilha praticava
verdadeiros atos de violência, atacando a nossa sede na
Jordoa, fazendo piquetes, tentando destruir os ônibus
que transportava os empregados, sempre conduzidos por políticos
mal intencionados e por entusiastas mal informados. A obra em
si foi conduzida sem nenhum problema especial. Tivemos até
muito sorte porque os primeiros anos de construção,
que corresponderam a terraplanagem e as fundações,
foram anos de estiagem total, o que levou a tal Comissão
a denunciar que a Alcoa tinha uma máquina diabólica
que além de matar caranguejos e sururus também
desviava as chuvas para outro lugar.
JS – Como era a fase de
relaxamento do canteiro de obras e como os americanos viam isso?
PELLEGRINI – O pessoal se enturmava em churrascos, ou
em brincadeiras na praia e os americanos gostavam de participar.
Algumas famílias se visitavam e se uniam como se fossem
uma só, considerando que os familiares reais haviam ficado
nos seus locais de origem.
JS – Fale do maior desafio
da fase de construção em sua opinião?
PELLEGRINI – Foi sem dúvida Ter terminado a obra
dentro do prazo, e Ter mostrado para a opinião pública
maranhense que a implantação da Alcoa não
significava a devastação ecológica que
havia sido anunciada.
JS – O país estava
em crise e os dólares jorravam no Maranhão. Isso
não mexia com a cabeça das pessoas?
PELLEGRINI- Nós vivíamos um momento diferente.
Para o empregado da Alcoa não havia crise, só
havia expectativa de dias melhores. Como a gente tinha que trabalhar
vinte e quatro horas por dia para conseguir o nosso intento,
não sobrava muito tempo para reflexões do tipo.
JS - A oposição
dos ecologistas tirava mesmo o sono do pessoal da Alcoa?
PELLEGRINI - Não chegava propriamente a tirar o sono,
apenas incomodava um pouco. No meu caso específico, a
minha maior preocupação era uma possível
rejeição dos meus filhos na escola. No entanto,
eles passaram pela fase de adaptação, estudaram
no Colégio Marista, fizeram muitos amigos, e são
até hoje considerados como alunos de ponta das instituições
por onde estudaram.
JS - A essa altura, como estava
a sua vida entre São Luis e São Paulo?
PELLEGRINI - Enquanto minha família ainda morava em São
Paulo, eu viajava uma vez por mês e lá ficava por
uns cinco dias. Depois que eles chegaram em São Luís
nós nos limitávamos a ir para São Paulo
nas férias, embora eu fazia eventualmente viagens para
lá a serviço. Quando estava em São Paulo,
eu sentia saudade da "minha terra", e lembrava de
um americano chamado Bob Taylor, que dizia que a sua terra é
onde se encontra o seu lar.
JS - Algum engenheiro lhe pediu
pra comprar algo que não tinha em lugar nenhum do mundo?
PELLEGRINI - Não me recordo. Mas se pedisse, a gente
achava, nem que tivesse que procurar em Marte...
JS - Por falar nisso, quantos
vendedores o Senhor atendia por dia?
PELLEGRINI - Ah, um punhado deles. Eu conheci todos os fornecedores
de São Luís. Até hoje, sou reconhecido
na rua por algum deles com a frase "Você não
se lembra de mim? Sou Fulano, da firma Tal", e eu geralmente
reconheço o cara, mas não lembro dos detalhes.
Eram muitos, entre vendedores, proprietários e representantes
comerciais.
JS - Quando a fábrica
teve dimensão de fábrica para o Senhor?
PELLEGRINI - Quando a terraplanagem estava pronta e as fundações
começaram a receber as estruturas. Aí eu realmente
vi a dimensão da coisa. Lembro da minha primeira secretária,
Betaide, que perguntou uma certa vez se a fábrica da
Alcoa seria maior do que a Auvepar...
JS - Para quem comprou do mundo
inteiro, qual o país que vende melhor o seu produto?
PELLEGRINI - Eu na verdade não comprei do mundo inteiro,
pois as importações eram feitas em São
Paulo. No entanto, entendo que americanos e alemães sejam
bastantes sérios quando se trata de fornecimento de equipamentos,
pois diversas vezes, como diligenciador, acompanhei os processos
de compra.
JS - Quando se compra um super
equipamento, de quem é a responsabilidade do transporte?
PELLEGRINI - Normalmente o preço negociado é CIF
ou FOB - Canteiro de Obras. Isto significa que o frete pode
ser de responsabilidade do fornecedor ou de sua, (incluindo
seguro). O importante é a sua responsabilidade sobre
o equipamento começa quando você completa o descarregamento.
JS - É verdade que o primeiro
lingote a gente nunca esquece?
PELLEGRINI - Não cheguei a sentir nenhuma emoção
especial ao ver o primeiro lingote. Minhas emoções
haviam sido canalizadas para a construção e montagem
da estrutura de lingotamento.
JS - Tudo pronto e testado era
preciso inaugurar. Naquele 16 de agosto de 1984 o senhor estava
onde?
PELLEGRINI - Estava no canteiro de obras, com camisa de manga
comprida e capacete esperando a banda passar...
JS - Depois de inaugurada houve
aquele momento dos diretores se perguntarem "e agora?"
ou tudo correu como deveria, sem problemas...
PELLEGRINI - Num empreendimento como esse, não existe
a expressão "e agora?". Tudo é planejado
meticulosamente e os desvios são corrigidos sempre em
tempo.
JS - Depois da construção
o Senhor foi um dos poucos que ficou na fase de operação.
Por quê?
PELLEGRINI - Conforme eu já disse anteriormente, a empresa
não tinha aparentemente um lugar para me transferir para
São Paulo, Poços de Caldas, ou mesmo Igarassu,
perto de Recife, onde há uma fábrica de laminados
da alumínio. Como eu havia feito um serviço que
me dera um certo destaque dentro da comunidade (estava envolvido
inclusive com programa de rádio e com clube de futebol),
recebi o convite para trabalhar na área de Relações
Públicas.
JS - É possível
identificar uma linha divisória entre a administração
americana da construção com a brasileira da operação?
PELLEGRINI - Antes de mais nada é preciso entender que
a administração de uma construção
é diferente da administração de uma fábrica,
pois ambas buscam resultados diferentes. Os americanos administraram
a construção com as suas dificuldades inerentes,
na busca de manter o cronograma dentro do menor custo possível,
e os brasileiros administram a fábrica, numa constante
busca de lucros. Durante o período de transição,
a Alumar foi administrada por ambos - os chefões eram
Sam Devall e Luís Antônio Monteiro Oliveira - e
o que se viu foi bastante liberalidade por parte do americano
e uma certa dose de linha dura por parte do brasileiro. Isso
é até compreensível, se você levar
em conta que o americano estava encerrando um ciclo bem sucedido
para provavelmente se aposenta nos Estados Unidos. Já
Luís Antônio estava com a difícil tarefa
de fazer decolar este projeto tão importante. Quando
me desliguei da empresa, em 1987, o gerente geral era José
Rodolfo Lopes, e atuava na mesma linha do Luís Antônio.
Mas, se você que mesmo saber, eu prefiro trabalhar com
chefes americanos do que com chefes brasileiros.
JS - Defina o que é o
Consórcio Alumar para o senhor hoje?
PELLEGRINI - Para mim, ele é um grande empreendimento
que deu certo e que colabora com o Estado por meio dos impostos
recolhidos e pela utilização de uma boa parte
da mão de obra local. Apenas não consigo sentir
nenhuma emoção quando eventualmente apareço
por lá. Parece que a construção foi um
sonho mágico que se desfez quando a fábrica apitou.
A Alumar hoje é uma coleção de boas lembranças
e de nomes que fizeram parte do meu dia a dia durante sete anos,
como Tiniti, Joãozinho, Amir, Fernando Pires, Bouty,
Armond, Elcinete, Deusa, Betaide, Maria José, Lázaro
Couto, Pinheiro Marques, João José Pinheiro, Hélio
Braga, Maurício Macedo, Eliane Martins, David Carmichael
Geraldo Laier, Paulo César, Sérgio Brito, Lucy
Amaral, Luiz Antônio e tantos outros. Como entidade, porém,
eu vejo a Alumar como quem vê um monumento que marca uma
parte importante da história do Maranhão, mas
que não consegue transmitir a quem o vê a mesma
sensação que produziu durante a magia da obra
em construção.
JS - Se o Senhor tivesse que
ir para uma ilha deserta com direito a um só acompanhante
o senhor levaria o Maranhão, São Paulo ou a Alumar?
PELLEGRINI - Este acompanhante abstrato poderia ser o Maranhão,
por tudo o que faço, ou São Paulo, por tudo o
que fiz. Mas não seria a Alumar. Esta, para um pioneiro
que veio desbravar o mato e fincar estacas, é um sonho
bom que já passou. Nada mais que isso...